Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
O Livro de Diniz
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POR LUIZ GUILHERME PIVA
É comum que, por formação e preferência, se escolham, para assistir, alguns jogos em detrimento de outros.
Que se prefiram alguns estilos de jogo.
E futebol sempre houve para todos os gostos: bruto, veloz, clássico, compacto, defensivo, ofensivo, frio, etc.
O que só recentemente alguns torcedores começaram a ver é seu time tocando de forma inesperada e insistente num só lado do campo, deixando a zaga aberta porque os zagueiros avançam como meias ou laterais, fazendo a bola cruzar em tabelinhas a própria pequena área cheia de adversários, tendo a paciência de insistir em passes que envolvem, inebriam e derrubam o oponente, mas que põem o coração do torcedor no pescoço, com o tum-tum-tum do sufoco, o toco do oco na boca do esôfago - até porque o time toma gols, como se fossem castigos, quando ocorrem falhas nessas ousadias.
Esse é o time do Diniz.
Quem vai ver tem que gostar de antemão. Se não gostar, não vá.
A menos que vá enganado, levado por um amigo que achava se tratar de outra coisa - como ocorreu com o ator Matheus Nachtergaele na sua excelente interpretação de Jó na peça teatral "O Livro de Jó".
Você não conhece a história?
Jó, na Bíblia, era um homem rico, cheio de filhos, feliz e extremamente devoto a Deus. O Diabo desafiou Deus a castigá-lo para saber se a fé do seu seguidor era real ou interesseira. O Todo-Poderoso, que não aceita desacato, permitiu que o Coisa-Ruim infringisse a Jó os piores castigos: ele perdeu os filhos, as posses, ficou muito doente, perdeu a confiança da esposa e dos amigos, passou pelos maiores sofrimentos - mas manteve aquela que viria ser sua proverbial paciência e sua fé em Deus.
O Teatro da Vertigem, companhia da qual fazia parte Matheus Nachtergaele, montou, nos anos noventa, um espetáculo sobre o Livro de Jó. Para representar todo o seu sofrimento e impactar o público, o cenário era um hospital, e havia muita morte, muito sangue, muita dor. O ator principal, Matheus, passava por flagelos enormes, que agonizavam o público.
Pois bem. Numa das sessões, havia duas senhoras de idade, muito recatadas, na primeira fila, atraídas provavelmente pelo apelo bíblico do título da peça. E eis que, assim que Matheus (Jó) saiu de uma sessão de pau-de-arara e, todo ensanguentado, inteiramente nu, se postou de frente para a plateia, ouviu uma das senhoras resmungar para a outra:
- Satisfeita, Iolanda?
Ele perdeu a concentração uns segundos, mas seguiu o espetáculo, que fez enorme sucesso por cerca de dois anos. (Não sei dizer se as duas senhoras seguiram até o final.)
Assim, o torcedor que estiver disposto a assistir a um jogo de futebol dirigido por Fernando Diniz deve se preparar para sofrimentos e cenas de impacto.
Mas precisa sempre manter as mesmas paciência e fé de Jó.
Por dois motivos.
Primeiro, porque a história bíblica, assim como a peça do Teatro da Vertigem, é belíssima.
Segundo, porque, no final, Jó é recompensado por Deus e recupera toda a sua saúde, suas riquezas, seus filhos, seus amigos e sua esposa.
E o público então pode respirar calmamente.
Esse é o jogo, esse é o espetáculo.
Satisfeito?
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" - ambos pela Editora Iluminuras
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