O primeiro dia em Doha

Pense num grande concurso de arquitetura, com os arquitetos competindo para ver quem faz o prédio mais original, mais bizarro, mais repleto de contorcionismo.

Pense num enorme e feericamente iluminado parque de diversões.

Pense numa cidade fria, sem ninguém nas ruas, ou nas janelas, porque o calor é arrasador e o Sol impressionante ao se recolher às 17 horas.

Pois você pensou em Doha, a rica, exibida, opulenta, tórrida, capital do Qatar.

Que abrigará a 22ª Copa do Mundo da Fifa que hoje aprontou das boas.
Meu credenciamento, que deveria levar 15 minutos, levou mais de três horas.

Tudo porque a Fifa grafou meu nome com o apelido na credencial que, é claro, não coincide com o do passaporte.

Aí, as autoridades cataris trataram de investigar se José Carlos e Juca eram mesmo a mesma pessoa.

Não fosse o carioca Sérgio de Souza, homônimo do grande e saudoso jornalista, que trabalha para o Comitê Organizador, e eu estaria até agora esperando.

Vencido a duras penas o obstáculo, credencial pendurada no pescoço, vou com Raquel Arriola, da equipe do UOL, trocar dinheiro, comprar um chip para o celular e quatro cuecas, porque simplesmente esqueci delas.

Na hora de pagar, a senha do cartão não foi aceita.

Estressado, quando desisti e devolvi a mercadoria, eis que uma jovem, de olhos lindos, vestida de preto dos pés à cabeça, e devidamente com o rosto coberto, diz para a mulher no caixa: "Eu pago!".

Incrédulo e obstinado, recuso: "Nem pense nisso", digo ao mesmo tempo que agradeço.

Ela insiste, aproxima o cartão da máquina e faz o pagamento.

"Eu nunca vi isso", digo a ela, realmente surpreso.

"Torço pelo Brasil", ela diz. E some.

Ao tentar revê-la para agradecer melhor, não mais a encontro e a vendedora explica: "Nós, cataris, somos assim, muito gentis".