Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Saúde mental ainda é uma luta oculta dos atletas
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POR EDUARDO CILLO*
O mundo dos esportistas profissionais é comumente associado à proeza física, à determinação e ao sucesso. No entanto, sob essa fachada brilhante, encontra-se uma realidade mais sombria: os desafios de saúde mental enfrentados pelos atletas de elite. Nas últimas semanas, vimos, por exemplo, o executivo Paulo Angioni falar que todo departamento de futebol de um clube precisa de um psiquiatra. Ou então sobre Valdívia, ídolo do Palmeiras, que deixou um recado importante em sua conta do instagram.
Após ser internado em razão de uma crise nervosa, o ex-jogador da Seleção Chilena desabafou: "O importante é conseguir detectar a tempo que precisamos da orientação de um profissional de saúde mental. Como conselho, não esperem colapsar para pedir ajuda."
O recado é válido, atual e urgente. Dois estudos acadêmicos, um da British Journal of Sports Medicine e outro da Unicamp, lançam luz sobre a prevalência de transtornos mentais entre atletas de alto desempenho. Os dados apresentados por ambos nos levam à conclusão de que os atletas não estão imunes aos desafios da saúde mental; na verdade, eles geralmente enfrentam pressões e situações únicas que exacerbam esses problemas. Nesse contexto, há uma necessidade urgente de maior conscientização, apoio e intervenção para salvaguardar o bem-estar desses indivíduos.
Uma das informações levantadas pelos pesquisadores é que os transtornos mentais tendem a persistir por um período mais longo em atletas em comparação com a população em geral. Enquanto a faixa etária de pico para problemas do tipo na população é tipicamente entre 15 e 25 anos, para atletas, ela se estende de 15 a 30 anos. Esse período prolongado de sofrimento mental sugere que as demandas dos esportes de alto rendimento contribuem para um sofrimento psicológico crônico e duradouro.
De forma geral, ainda há pouca pesquisa acerca do tema. No Brasil, em 2020, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) organizou um Webinar intitulado "Psicologia no Futebol em Tempos de Pandemia: Humanização VS Intervenção", que destacou as lutas mentais enfrentadas pelos jogadores de futebol.
Na ocasião, o Dr Alberto Filgueiras, coordenador do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva e Esportiva revelou dados que nos trazem um panorama abrangente e alarmante. As taxas de problemas relacionados à saúde mental são maiores entre atletas profissionais do que na sociedade em geral, assim exemplificados: transtornos depressivos (18% x 5%), transtornos de ansiedade (14% x 9%), abuso de drogas (21% x 4%) e transtornos alimentares (16% x 8%).
A rotina exigente de atletas de alto desempenho tem um papel fundamental em seus desafios para lidar com a mente. A pressão constante para alcançar resultados, lesões e o ciclo interminável de compromissos criam um ambiente estressante, crônico e de longo prazo. Esses atletas estão constantemente envolvidos em competições, treinos, jogos e viagens, deixando pouco tempo para a vida pessoal e para o autocuidado. O preço de um estilo de vida tão exaustivo é evidente nas estatísticas, revelando que os atletas não são tão saudáveis quanto sua imagem atlética pode sugerir.
Para lidar com esse problema, uma abordagem abrangente é essencial. As entidades e clubes esportivos devem priorizar o bem-estar mental ao lado da saúde física. É fundamental ter profissionais como psicólogos, psiquiatras e médicos do esporte envolvidos no atendimento aos atletas. Esses profissionais devem estar atentos para identificar os primeiros sinais de alterações, porque isso, além de afetar muito o desempenho, poderá trazer consequências extremamente negativas para a vida do esportista.
Os próprios atletas também devem reconhecer a importância da saúde mental e buscar apoio adequado. Assim como contratam fisioterapeutas e preparadores físicos particulares, eles também devem incluir profissionais de saúde mental em seu sistema de apoio pessoal. Esses especialistas podem fornecer orientação, ajudar na tomada de decisões e auxiliar nas demandas estressantes da vida diária. Além disso, podem auxiliar no planejamento de aposentadoria ou transição de carreira, garantindo uma mudança mais suave para uma nova fase da vida.
A prevalência de transtornos mentais entre atletas de alto rendimento não pode ser ignorada. As evidências apresentadas enfatizam a necessidade urgente de maior pesquisa, conscientização e apoio a esses indivíduos. O atleta é corpo, mas também é mente e alma.
*Eduardo Cillo é coordenador de psicologia esportiva do Comitê Olímpico do Brasil e pós-graduado em Saúde Mental no Esporte de Alto Rendimento pelo Comitê Olímpico Internacional.
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