E se Rubinho tivesse sido tão impiedoso como os brasileiros?
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Assisti recentemente a duas entrevistas de Rubens Barrichello - uma para a ESPN, no programa "Bola da Vez" e outra para o Sportv, "O Grande Círculo". Ambas me chamaram a atenção por ver um Barrichello solto, relaxado, já mais velho e mais preparado para falar sobre vários temas sem o calor do momento.
Eu "convivi" com Barrichello por apenas um ano, em 2007, quando cobri a temporada da F1 para a Rádio Bandeirantes. Como muitos sabem, meu irmão, Flavio Gomes, cobriu a Fórmula 1 por quase 20 anos e é um dos papas do assunto no Brasil. Rubens e Flavio tiveram seus altos e baixos, durante aquele ano de 2007 ele me chamava de "o irmão bonzinho" :-)) - mal sabe ele.
Naquele ano de 2007, entendi por que todos falavam que Barrichello era muito querido no circuito e posso comprovar que não é balela. Ele é um cara realmente muito bacana, atencioso, "do bem", para usar um termo que resume tudo.
Resolvi escrever esse post porque acredito que Rubens Barrichello seja um dos personagens mais importantes que tivemos recentemente para entender a relação do brasileiro com o esporte e para entender também quais valores norteiam a nossa sociedade.
Rubens, vamos deixar claro, tem a imagem de um perdedor. Um retumbante perdedor.
Esta imagem é justa? É claro que não. Mas a construção dela tem sentido? A construção dela tem sentido, ele mesmo tem culpa disso. E continua sendo impiedosa e injusta.
A trajetória de Barrichello é bonita e é, sem dúvida, atrapalhada pela morte de Ayrton Senna, como ele mesmo disse em uma dessas entrevistas. Atrapalha porque coloca sobre ele uma pressão que talvez não fosse condizente com a realidade - não só dele, mas da Fórmula 1.
A Fórmula 1 é, disparado, o ambiente mais agressivo que eu vi e vivi como jornalista. Todo mundo que está ali se acha o melhor do mundo. Os pilotos se acham os melhores, os mecânicos se acham os melhores, as namoradas dos pilotos se acham as melhores, os jornalistas se acham os melhores, os pilotos das categorias de base se acham os melhores, os engenheiros, os faxineiros, os motoristas que levam os jornalistas, os caras da catraca, o cara que fica passando o pano nos aerofólios, até, claro, o público, que também tem uma aura de "só não estou lá dentro porque não quero, mas entendo muito de carro". Não há ambiente mais "mascarado" que o da F1. E, em grande parte, isso se justifica.
Enfim, é um ambiente, como eu disse, agressivo.
Rubens Barrichello me parecia não ter nada a ver com este ambiente. E isso é um elogio, não uma crítica.
Mas esta agressividade me parece um atributo necessário para triunfar neste ambiente. Não estou aqui querendo dizer que você precisa ser um crápula (ou um "escroto", nas palavras de Rubens) para ganhar. Mas precisa ter uma certa impiedade, uma maldadezinha no coração, um senso de matar ou morrer, não de tomar cerveja no fim do expediente.
Em 2009, Rubens teve uma grande chance para ser campeão, mas perdeu para Jenson Button. Ele explicou que o tipo de frenagem funcionava melhor para o inglês do que para ele, e isso resultou em seis vitórias de Button nas sete primeiras corridas. Vocês imaginam um Senna, um Schumacher, um Hamilton ou um Alonso aceitar essa situação?
Barrichello relata também os anos difíceis na Ferrari e o famoso GP da Áustria de 2002. Uma corrida fundamental para a construção da imagem de coitadinho e de perdedor de Rubens. Creio que quase todos nós teríamos feito o mesmo que ele. Mas é difícil imaginar essa situação se passar com os históricos campeões, os caras de "sangue nos zóio".
Para entender e justificar o fato de não ter sido campeão, Rubens às vezes parece embarcar em um mundo paralelo.
Em 2003, ele conta, o carro foi testado por ele, feito "para ele", já que Schumacher estava com o pescoço dolorido. Deu azar em algumas etapas. Fui checar a classificação do campeonato e vejo que... de fato foi um dos títulos mais difíceis para Schumacher. Contra Raikkonen. Rubens foi o quarto na classificação.
Em 2009, Barrichello conta que, depois de ter sido resolvido o pepino dos freios, sempre andou na frente de Button. Fui checar e lembrei que nem vice-campeão Rubens foi - ficou atrás do novato Vettel, que dominaria a categoria a partir de 2010.
Ele relata algumas "bolas na trave" que na verdade passaram bem longe do gol.
Sempre achei que Barrichello tivesse sido um piloto azarado. A morte de Senna, cair ao lado de um psicopata, como Schumacher, depois pegar a Brawn e ter esse pepino do freio... mas será que foi azar mesmo? O cara correu no melhor carro da F1, ao lado do melhor piloto, escapou de acidentes, ganhou muito dinheiro, depois ainda teve a chance de ouro de cair no melhor carro da categoria, ao lado de um piloto que não era nada demais...
Quantos pilotos ótimos passaram pela F1 sem ter nada nem parecido com as chances que Rubens teve?
Não, Barrichello não era azarado. E também não era lento. O que faltou a Rubens não foi sorte. Faltou ter um olhar mais racional e menos emocional para ele mesmo. Faltou o instinto assassino de grandes campeões.
Os memes não fazem jus à história dele na categoria e à capacidade técnica dele. É aí que o brasileiro é muito injusto. A relação do público com o esportista, essa coisa de "o que vale é ganhar, não importa como", fala muito mal de nós mesmos.
Acho eu que ele esteja bem resolvido com a coisa de não ter sido campeão, até porque tanto tempo já se passou. Poderia também o público ficar melhor resolvido com isso. Respeitar Rubens pela carreira que teve e criticar o que merece ser criticado, e não criticar pelo que ele não foi de fato.
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