Felipe Melo x Chiellini: parece que havia mesmo algo podre naquela Juventus
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Vamos escolher um período de tempo. Digamos, 50 anos. Pois bem. Nos últimos 50 anos, dá para contar nos dedos quais foram as temporadas horrorosas de uma certa Vecchia Signora. A Juventus de Turim não costuma ir mal ao mesmo tempo em todas as frentes que se apresentem. Se não disputa o título da Série A, está nas cabeças na Europa ou levantando a Coppa Itália.
Neste longo período, os dois piores anos da Juventus, sem sombra de dúvida, foram as temporadas 2009/2010 e 2010/2011, justamente quando Felipe Melo vestiu a camisa do clube. Culpa dele? Coincidência? Nada no futebol acontece por causa de um cara só. Também nada no futebol acontece por acaso.
Capitão da Juventus e da seleção italiana, Giorgio Chiellini fala em sua autobiografia que Felipe Melo era uma "maçã podre, o pior entre os piores". Felipe Melo rebateu raivosamente, uma característica particular, lembrando de duas vitórias em confrontos diretos entre eles: com a seleção brasileira sobre a Itália, na Copa das Confederações-2009, e com o Galatasaray contra a Juve, na Champions-2013.. Chiellini também criticou Balotelli e, talvez pela "trairagem", por ter quebrado algum código de ética, o zagueiro foi criticado por ex-futebolistas aqui (Neto) e na Itália (Tardelli).
Deste bate boca, creio, não sairá muito mais. O que exatamente aconteceu dentro do vestiário da Juventus naqueles dois anos? Talvez nunca chegue até nós. Mas havia algo muito errado, que desembocou em resultados catastróficos, como já veremos. E a "confissão" de Chiellini mostra algum caminho.
Depois da explosão na Fiorentina e titular absoluto da seleção de Dunga, Felipe Melo deveria ter vivido o auge da carreira na Juventus, um dos gigantes da Europa. Não aconteceu. Pensem em um clube tradicional, de costumes. É a Juventus. Talvez o excesso de paixão e brutalidade de Felipe Melo simplesmente não tenham casado com a instituição. Na primeira temporada, em 39 jogos, foram 16 amarelos e 2 vermelhos. É muita coisa. É claro que, daí a ser uma "maçã podre", vai um longo caminho. Chiellini estava atacando o caráter conflitivo, não a bola do brasileiro.
Felipe chega à Juve em 2009, no mercado mais agressivo do clube desde 2001 (compras de Buffon, Nedved, Thuram e Salas ao mesmo tempo). Ele vem por 25 milhões de euros da Fiorentina, Diego chega por 27 milhões do Werder Bremen. Por dois anos, a Juve acaba em sétimo lugar na Série A. Para se ter uma ideia, desde 1962 o clube havia ficado só outras duas vezes em sétimo lugar, nunca abaixo disso.
Vamos voltar ao recorte que propus no início do post. 50 anos de Juventus. Foram ruins os anos após a aposentadoria de Platini, entre 87 e 91, quando Napoli (Maradona/Careca), Milan (holandeses) e Inter (alemães) eram efetivamente mais fortes. Ainda assim, teve no meio um título de Copa da Uefa, em 90. Houve o resgate da competitividade com a segunda era Trappatoni, o fim da fila doméstica de nove anos e o sucesso europeu com Lippi.
Avançamos a fita e chegamos a 2005/06, quando a Juve é campeã no campo com 91 pontos e uma derrota, mas perde o título pelo escândalo extra-campo chamado de "Calciopoli" e é rebaixada para a Série B. O time-base de 2006, treinado por Capello: Buffon; Thuram, Cannavaro, Chiellini (Kovac), Zambrotta; Emerson, Vieira, Nedved, Del Piero; Ibrahimovic, Trezeguet. Que saudades.
Mas mais de meio time se manda. Deschamps, ídolo do clube e hoje técnico campeão do mundo, assume o comando na Série B. Veteranos muito conectados com a torcida seguem, como Buffon, Nedved, Trezeguet e Del Piero. É nesta época que Chiellini vira titular absoluto.
Já em 07/08 e 08/09, a Juve, agora com Ranieri como treinador, volta à Série A nas cabeças. Inter e Roma eram os times mais fortes e disputam o título, mas a Juve volta já acabando em terceiro, com a mesma base do time da Série B. Del Piero e Trezeguet são os dois artilheiros do campeonato. Em 08/09, volta à Champions com direito a duas vitórias sobre o Real Madrid e Del Piero ovacionado no Bernabéu - eu estava no estádio, foi realmente emocionante.
Enquanto isso, Felipe Melo chegava à Fiorentina após o ótimo ano no pequeno Almería (do então técnico Unai Emery e do goleiro Diego Alves). A Fiore acabaria em quarto, melhor temporada em muitos anos. A Juve batalhava pelo título com a Inter, mas perderia fôlego em abril e demitiria Ranieri. Na Champions, eliminação para o Chelsea nas oitavas.
Mas o fato é que, naquele momento, após a queda e a volta, o clube se sentia pronto para ser agressivo de novo, para buscar títulos e retomar o posto de melhor da Itália. Era o momento do resgate. Veio o mercado de 2009 e o time, agora comandado por Ciro Ferrara, tinha: Buffon; Cáceres, Chiellini, Cannavaro (Legrottalie) e Grosso; Felipe Melo, Marchisio, Sissoko (Camoranesi) e Diego; Del Piero e Amauri (Trezeguet).
Os resultados foram horrorosos. Na Champions, a Juve caiu na fase de grupos levando 4 a 1 do Bayern em casa, quando jogava por um empate. "Rebaixada" para a Europa League, levou outro 4 a 1 e foi eliminada pelo Fulham (!), quando Zaccheroni já estava no lugar de Ferrara. Acabou a Série A 27 pontos atrás da Inter e 12 atrás da quarta colocada, uma surpreendente Sampdoria, treinada por Luigi Del Neri.
Foi ele mesmo quem chegou para ser o novo técnico. O clube traz um tal Bonucci, zagueiro do Bari e se desfaz de Diego, que volta para a Alemanha. Felipe Melo fica. Diz ele que, após a trágica Copa de 2010, pensou em abandonar o futebol e Del Neri teria sido uma das vozes para convencê-lo do contrário. Ou seja, entre técnico e jogador havia algum amor.
Que talvez tenha acabado quando Felipe Melo, que vinha jogando bem na temporada, foi expulso com 17min de jogo contra o Parma em um lance violento. "Ele precisa ter calma. A atitude dele não é desculpável. Essas são reações instintivas e infelizes. Eu espero que possa ser mais forte e melhor, porque para nós ele é um jogador muito importante", disse Del Neri, após aquela partida de dezembro.
A Juve, que chegava ao fim do turno em segundo lugar, perseguindo o Milan, levaria 4 a 1 em casa do Parma e, na rodada seguinte, sem Felipe, 3 a 0 do Napoli. Degringolou. Na Europa League, foram seis empates em seis jogos e uma vergonhosa eliminação na fase de grupos. O time-base tinha Buffon; Sorensen, Bonucci, Barzagli e Chiellini; Felipe Melo, Marchisio, Krasic e Pepe (Aquilani); Quagliarella (Del Piero) e Iaquinta.
Daquilo tudo, o que saiu foi a construção de uma das melhores defesas de todos os tempos, com o trio BBC: Barzagli, Bonucci e Chiellini - este último às vezes como zagueiro em uma linha de três, às vezes como lateral esquerdo. Chiellini e Barzagli são os únicos jogadores campeões oito vezes seguidas com a Juventus.
Sim, porque neste estágio é que estamos. Depois dos dois sétimos lugares seguidos, a Juventus engatou um inédito octacampeaonato - e liderava a Série A em busca do nono título quando a pandemia do coronavírus parou tudo.
O que aconteceu naquele meio de 2011? Bem... Felipe Melo foi embora.
Não, não quero simplificar tanto assim. Em 2011, Antonio Conte assumiu o comando técnico e chegaram quatro jogadores importantes: Pirlo, Vidal, Vucinic e Lichtsteiner. A base defensiva estava formada e, a partir daí, com Conte e depois Allegri, foram construídos bons times do meio para frente.
Mas, no meio de tudo isso, Felipe Melo foi embora.
Conta a lenda que, antes de partir para a Turquia, ele passou no clube para se despedir dos companheiros e, com sorriso irônico no rosto, fez a profecia de que a Juve ganharia o Scudetto. Segundo o jornal "Tuttosport", ao final da temporada, no vestiário foi brindado o título lembrando as palavras de Felipe Melo.
Que, por sinal, virou ídolo no Galatasaray e ganhou o apelido de pitbull. E encaixou no Palmeiras.
Futebol não é só jogado dentro de campo. Times campeões sempre terão uma química que funcione fora dele. Para aquele vestiário da Juventus e para o estilo do clube, Felipe Melo não funcionou. E a linha do tempo é muito clara: o clube vivia o resgate após o Calciopoli, foi vice-campeão, trouxe um jogador de seleção, destaque da temporada anterior, chegou duas vezes seguidas em sétimo, reformulou, emprestou o jogador assumindo que perderia o dinheiro investido, trouxe outros e foi campeão oito vezes seguidas, com duas finais de Champions no caminho.
Chiellini, o único ser que viveu tudo isso dentro de campo (Calciopoli, Série B, resgate, queda, títulos), escolheu Felipe Melo como "pior dos piores". Talvez seja só algo pessoal entre eles. Ou talvez faça sentido.
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