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Julio Gomes

Há 30 anos, seleção "rebelde" de Lazaroni levava 3 e abraçava a cautela

Sebastião Lazaroni comanda seleção brasileira na Copa do Mundo de 1990 - Homero Sérgio/Folha Imagem
Sebastião Lazaroni comanda seleção brasileira na Copa do Mundo de 1990 Imagem: Homero Sérgio/Folha Imagem

13/05/2020 12h50

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Resumo da notícia

  • Brasil empatou com a Alemanha Oriental antes de partir para a Europa
  • Falhas defensivas fizeram Lazaroni montar o time de forma ainda mais cautelosa
  • Jogo marcou também a consolidação de Alemão como titular

Foi em um dia 13 de maio, 30 anos atrás, que a seleção brasileira fez seu último jogo "sério" antes da Copa do Mundo da Itália. Assim foi tratado aquele amistoso contra a Alemanha Oriental, em um Maracanã com 60 mil pessoas nas arquibancadas e na geral. A partida acabou empatada em 3 a 3, e as falhas defensivas levariam o técnico Sebastião Lazaroni a tomar uma decisão.

O Brasil manteria o sistema com o líbero e três zagueiros atrás. Porém, o líbero não seria mais um líbero "tradicional", com liberdade para chegar ao ataque. E, sim, um zagueiro por trás dos zagueiros, para trazer ainda mais segurança à defesa. Lazaroni entendeu que os gols sofridos contra a Alemanha Oriental saíram pelo afã dos defensores em atacar.

Para se ter uma ideia, após o amistoso de seis gols, o Brasil fez mais seis partidas sob comando de Lazaroni (dois amistosos e quatro partidas na Copa). No total, os seis jogos seguintes tiveram apenas oito gols marcados. O medo gerado no Maracanã deixou o Brasil ainda mais cauteloso - ou retranqueiro.

O gol do empate da Alemanha Oriental, que, sem saber, jogava o penúltimo jogo de sua história, saiu no último lance da partida. O que gerou vaias no apito final (no fim desta postagem, disponibilizo o vídeo completo da peleja). Neste clima, partia para a Europa uma seleção que inspirava pouca confiança e que havia tido dias de rebeldia na semana anterior ao jogo, o início das brigas com a CBF por premiações.

O jogo do Maracanã consolidou Alemão como titular no meio de campo, mandando Silas para o banco de reservas. Silas era um jogador mais ofensivo e que tinha algum entrosamento com Careca e Muller, a dupla de ataque, pois os três haviam jogado juntos no São Paulo. Alemão era um jogador de corte mais defensivo, mas agradou Lazaroni por "fazer melhor a conexão entre meio e ataque".

De fato, Dunga e Alemão foram os melhores em campo no Maracanã. Era nítido como todo o jogo do Brasil passava pelos pés de Dunga, muito mais do que o desejado, dado que o time jogava com três zagueiros justamente para liberar os alas - Jorginho e Branco. O fato é que os alas afunilavam demais o jogo. Pela direita, Muller tentava espalhar o campo, enquanto o sócio de Branco pela esquerda era Valdo. Era pouco.

Dunga fez bons lançamentos e deu passes importantes. No primeiro gol, encontra Muller, que dá ótima assistência para Alemão marcar. No segundo, os dois volantes começam a jogada que acaba no cruzamento de Branco para Careca. O terceiro gol é de Dunga, invadindo pelo meio e fuzilando. Mas é também Dunga quem, voltando desesperadamente para ajudar a defesa, deixa o atacante adversário em condições para avançar no segundo gol adversário - Taffarel defende o mano a mano, mas o gol sai no rebote.

O primeiro gol alemão havia saído de um cruzamento para área, Aldair perdeu pelo alto. "Errar é humano", disse o zagueiro. O terceiro começa em um escanteio para o Brasil aos 45min do segundo tempo. No rebote, Aldair primeiro falha, se recupera, mas tem o chute bloqueado. O contra ataque é parado com um lamentável "tackle" de Mauro Galvão, agarrando o adversário pela cintura. Hoje, seria vermelho direto. Na época, foi amarelo. A cobrança de falta acabou no terceiro gol.

O empate não ajudou em nada uma seleção que já vivia polêmicas fora de campo em relação às premiações. Quatro dias antes do amistoso, foi tirada a chamada "foto da discórdia".

Jogadores da seleção brasileira fazem protesto em 1990 - Reprodução/Folha de S.Paulo - Reprodução/Folha de S.Paulo
Imagem: Reprodução/Folha de S.Paulo

Jogadores "descobriram" que a Pepsi havia feito um acordo milionário com a CBF, já presidida por Ricardo Teixeira, e queriam uma fatia maior para eles. Como protesto, fizeram a foto oficial com a mão no peito - o gesto não era patriótico, era apenas para esconder o patrocinador. Essa história foi contada aqui no UOL pelo grande Luciano Borges, que na época era o repórter da Folha de São Paulo em Teresópolis.

Os debates sobre premiações tumultuaram o ambiente antes e durante a Copa do Mundo. Três dias antes do amistoso, Silas treinou com o uniforme do avesso, para não mostrar a logomarca do patrocinador. "A foto foi um protesto sim", disse Taffarel. "Fizemos a sacanagem para o problema ser resolvido agora. Assim eles não prometem três e dão um depois", declarava Careca.

No jogo contra a Alemanha Oriental, o Brasil entrou em campo com Taffarel; Aldair, Mozer (líbero) e Ricardo Gomes; Jorginho, Dunga, Alemão, Valdo e Branco; Careca e Muller. Em relação à estreia na Copa, sairia Aldair, vilão do amistoso e que não teria minutos na Itália, para a entrada de Mauro Galvão.

Lazaroni sempre deixou claro que Romário era o parceiro ideal para Careca no ataque, mas o Baixinho se recuperava de uma fratura no tornozelo. Romário eventualmente foi à Copa e chegou a ser titular no terceiro jogo, contra a Escócia. Mas o fato é que Muller se consolidou no time após a boa partida que fez contra a Alemanha Oriental e, durante a Copa, ter feito o gol da vitória no segundo jogo (Costa Rica) e no terceiro, quando substituiu Romário. Muller seria o titular contra a Argentina, nas oitavas, e perderia um gol feito no jogo da eliminação.

Mas as notícias estavam na defesa e no meio. Lazaroni queria que Mozer, então jogador do Olympique de Marselha, fosse seu líbero, e o único teste foi justamente contra a Alemanha Oriental. Mozer fez um jogo seguro no meu ponto de vista, mas o empate sofrido no final da partida acabou deixando a pulga atrás da orelha do técnico, que criticou abertamente a atuação de seu zagueiro. "Seleção empata e Lazaroni critica Mozer", foi a manchete da Folha de São Paulo. "Ele demonstrou tranquilidade em algumas jogadas, mas em outras se precipitou e criou perigo", disse o técnico. Confesso que não vi esse perigo gerado por Mozer.

"Nossa filosofia era de aplicação, respeito e atenção. Isso foi deixado de lado pela exibição. Isso que atrapalhou", reclamou Lazaroni. O fato é que os três gols da Alemanha foram absolutamente casuais, mas as declarações mostram um técnico muito condicionado pelos resultados e a defesa e pouco preocupado em ganhar bem os amistosos pré-Copa, para deixar o time com confiança.

Dois dias depois do jogo, a Folha de São Paulo noticiava que Lazaroni iria implementar o "líbero fixo", por trás dos zagueiros e com Dunga à frente deles, formando um quarteto de proteção defensiva.

Valdo, Ricardo Gomes e Aldair partiram para se reapresentar ao Benfica depois do jogo e disputar a final da Copa dos Campeões da Europa. Dunga se reapresentou à Fiorentina para a final da Copa da Uefa. Então, já no amistoso seguinte (1 a 0 contra um combinado de jogadores de Real e Atlético de Madrid), Mauro Galvão voltou a ocupar a posição de líbero, com Mozer e Ricardo Rocha como zagueiros. "Eu disse que ele errou, mas não que não volta a jogar ali", avisou Lazaroni, sobre Mozer. Mas o fato é que não voltou mais a jogar ali.

No último amistoso antes da Copa, derrota para a possante "seleção da Umbria", região do norte da Itália, o trio foi formado por Mauro Galvão, Mozer e Ricardo Gomes. E assim seguiu nas duas primeiras partidas da Copa. No terceiro jogo, Mozer, suspenso, foi substituído por Ricardo Rocha. Que ganhou a vaga e seguiu como titular contra a Argentina. De preferido para a posição mais importante, Mozer foi despencando até sair do time.

No meio de campo, Lazaroni fixou Dunga, Alemão e Valdo, trio que se manteve igual até o fim da Copa. O curioso da transmissão em inglês (abaixo, o jogo completo) é que durante todo o primeiro tempo narrador e comentarista achavam que Silas estavam em campo - mas era Valdo. Os ingleses estranharam também o fato de o Brasil jogar com três zagueiros.

O fato é que o amistoso não deveria ter sido razão para Lazaroni se desesperar defensivamente. O esquema 3-5-2 tinha dado certo na Copa América-89, mas o meio de campo naquela ocasião tinha Silas e Valdo. Sem Silas e com Alemão, por melhor que tenha sido o jogo do volante do Napoli, o time perdeu poder de criação. O Brasil tinha zagueiros ótimos e entrosados, dois deles dariam conta do recado. Para ter um líbero "preso", era melhor não ter, jogar com dois zagueiros e melhorar a criação no meio de campo - ou mesmo colocar um atacante a mais.

Aquele jogo do Maracanã fez mais mal do que parece. E lá se vão 30 anos...

FICHA TÉCNICA:

BRASIL 3 X 3 ALEMANHA ORIENTAL

Data: 13 de maio de 1990
Local: Estádio do Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: Luis Carlos Félix (Brasil)
Público: 58898 espectadores

BRASIL - Taffarel; Aldair, Mozer e Ricardo Gomes (Mauro Galvão); Jorginho, Dunga, Alemão (Bismarck), Valdo (Silas) e Branco (Mazinho); Muller (Bebeto) e Careca. Técnico - Sebastião Lazaroni.

ALEMANHA ORIENTAL - Brautigam; Hauptmann (Steinmann), Peschke, Lindner e Herzog; Schuster, Ernst, Weidemann (Rosler) e Boger; Kirsten e Doll. Técnico - Eduard Geyer.

GOLS - Alemão, aos 43min do primeiro tempo; Doll, aos 2min, Careca, aos 10min, Dunga, aos 13min, Ernst, aos 22min, e Steinmann, aos 45min do segundo tempo.