Há 10 anos: Quando a seleção brasileira "enlouqueceu em campo"
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Em um dia 2 de julho, dez anos atrás, a seleção brasileira de Dunga era eliminada da Copa da África pela Holanda, de virada, nas quartas de final. Há algumas histórias dentro deste jogo, que poderia ter ido para qualquer um dos lados. Mas, para relembrá-lo, é preciso resgatar uma frase que ouvi do holandês Sneijder após a partida: "O Brasil enlouqueceu em campo".
Não poderia haver definição melhor para o que acontecia com aquele time de Dunga.
Era uma seleção forte, que baseava seu jogo em sistema defensivo sólido e muita velocidade na transição para o ataque. Ganhou tudo no ciclo 2006-2010 (exceto, claro, a Copa) e resgatou a "seriedade", digamos, depois de tudo o que havia acontecido na Alemanha quatro anos antes. Mas era uma seleção desequilibrada, como seu treinador e como um de seus jogadores-símbolo, Felipe Melo.
Dez anos atrás, a seleção, pela primeira vez no ciclo, encontrou-se em uma situação desconfortável. Aconteceu o óbvio: o time perdeu a cabeça, ficou totalmente descontrolado em campo. Brigou com juiz, rivais, até com a sombra.
"Foi uma guerra, e mentalmente nós fomos muito bem. Quatro anos atrás, quando perdemos para Portugal nas oitavas, nós ficamos meio loucos em campo com tantos cartões e faltas. Dessa vez, foi o Brasil que enlouqueceu em campo. Eles perderam o controle", opinou Sneijder naquele 2 de julho, na pequena cidade de Port Elizabeth.
O meia revelou que no fim da partida foi ao vestiário do Brasil para dar um abraço em seus companheiros de Inter de Milão, com quem semanas antes havia sido campeão da Champions: Júlio César, Maicon e Lúcio. O que viu parecia "terra arrasada". "Eu fui até lá, mas não disse nada. Eles estavam chorando muito e era impossível falar qualquer coisa."
O relato de Sneijder batia exatamente com o que eu havia visto naquele pós-jogo. O time de Dunga estava completamente arrasado, incrédulo. Eu cobri cinco Copas do Mundo, o Brasil ganhou uma delas e perdeu quatro. Fora isso, incontáveis finais, jogos de mata-mata, vitórias e derrotas. Nunca em minha carreira vi um grupo de jogadores tão destruído emocionalmente como aquele que perdeu em 2010. A zona mista foi constrangedora, deu dó. Os caras estavam realmente mal, era nítido que não haviam sido preparados para algo tão corriqueiro: a derrota.
Após um ciclo vitorioso e uma primeira fase sólida, o Brasil passou pelo Chile e fez um primeiro tempo muito bom contra a Holanda, poderia até ter virado com um resultado melhor do que 1 a 0. No segundo tempo, Júlio César falhou bisonhamente no gol contra de Felipe Melo, depois Sneijder virou a partida em uma falha de marcação na bola parada. E aí veio o pisão de Melo em Robben, o que deixou o time com um a menos. A partir do gol de empate, foi nítido como a seleção sofreu o baque e não soube reagir. "Enlouqueceu", como bem definiu o meia holandês.
Com Felipe Melo em campo, o Brasil havia ficado 21 jogos sem perder. Aquela foi a primeira derrota dele. Mas não foi qualquer derrota. Com gol contra e expulsão infantil, o contestado volante escreveu a última (e definitiva) página de sua história com a amarelinha. Para variar, saiu do estádio sem se esconder, mas vociferando.
"Não sou vilão da Copa de 2010. Se pegar o histórico todo... contra Coreia, quem começou a jogada do primeiro gol foi Felipe Melo. Contra a Costa do Marfim, Felipe Melo. Hoje no gol do Robinho, foi Felipe Melo. É minha primeira derrota, muito dolorosa. Foi uma falha coletiva e tomamos os dois gols. O Brasil não tomou um gol porque o Felipe Melo foi expulso", disse, após a partida.
Eu sempre gostei do jogo de Felipe Melo, nunca gostei da atitude de Felipe Melo, em campo ou fora. Aquele time tinha a cara dele. Era um time bom, duro, firme, com mentalidade ganhadora, mas extremamente volátil emocionalmente. A desintegração contra a Holanda foi impressionante.
Sofreu o empate, sofreu a virada... OK! O Brasil ainda estava no jogo. Só que não.
Perdeu a cabeça completamente, nunca foi um time preparado para lidar com adversidades. Eram tantos fantasmas, tantos inimigos ocultos, tanta pilha, que talvez os caras estivessem procurando o Alex Escobar em campo, em vez do Sneijder e do Robben. Até Robinho, um cara tranquilo em campo ao longo da carreira, entrou na pilha do dedo na cara do rival, como vemos na imagem abaixo.
O fato é que Dunga e Jorginho estabeleceram ao longo do ciclo aquela velha ladainha de "nós contra o mundo" e conseguiram entrar na cabeça do grupo.
A imprensa era tratada como inimiga, o ambiente interno (estou falando de CBF, não do time) era de trairagem, de desconfiança. Era um grupo "fechado", mas só no núcleo comissão técnica-jogadores, não no chamado entorno. Não havia motivos para tamanho clima de animosidade naquele Mundial. Mas era assim. Lembro-me de Kaká acusando Juca Kfouri de perseguição religiosa em uma coletiva após um treino. Coisa de loucos mesmos, jogadores que estavam fora de seu estado de espírito normal.
A panela de pressão explodiu no jogo contra a Holanda. Alguém pode argumentar que no 7 a 1, quatro anos depois, o time estava emocionalmente mais destruído. E eu discordarei. O 7 a 1 teve muito mais a ver com tática, montagem de equipe, do que desequilíbrio emocional. O que aconteceu em 2010 talvez seja único na história da seleção mais vitoriosa do mundo.
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