Grazie, amico Silvio
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"Vamos para a praia, Jú".
"Podem ir, mãe. Eu vou depois".
Olhando para a infeliz realidade sócio-econômica brasileira, posso dizer que tive uma infância bastante tranquila, com direito a apartamento na praia. O diálogo acima era o de todos os domingos com minha mãe. Ela ficava louca da vida. Mas tudo o que eu queria era ficar grudado na TV, dentro de casa.
Era uma TV Mitsubishi, acho que nunca mais vi outra. O controle remoto era um quadradinho preto com seis botões prateados. Liga/Desliga, canal para cima, canal para baixo, volume para cima, volume para baixo e mudo. A TV tinha 13 canais. O 10, o 12 e, lógico, o 13 eram a Bandeirantes. Tinha um botão atrás para sintonizar, eu assistia no que ficava com a melhor imagem. Quase sempre era no 12.
Eu passava o domingo inteiro vendo Bandeirantes. Mas o que eu mais gostava mesmo era o jogo das 10h da manhã. Silvio Luiz e Silvio Lancellotti nos traziam uma partida do Campeonato Italiano.
Sei lá por que, escolhi a Juventus para torcer. Quase nunca passava jogo da Juventus. Os melhores times eram outros. O Napoli de Careca e Maradona, o Milan dos holandeses, a Inter dos alemães, até mesmo a Samp de Vialli e Cerezo. Quando eu voltava para São Paulo, simulava a Série A com uma bola de meia no quarto. Todos os gols eram marcados e narrados por mim, no estilo Léo Batista.
Um dos meus irmãos, Flavio, que já viajava o mundo atrás da F-1, me trouxe uma camisa da Inter de Milão, que apareceu numa caixa na casa da minha mãe outro dia. O patrocínio era da Misura, não sei até agora o que é isso. Eu usava na escolinha de futebol. Eu lembro de uma Placar que dizia "Milão, capital do futebol". E lembro também do ano em que os italianos chegaram a todas as finais europeias, foi quando eu comecei a entender o que eram a Copa dos Campeões, a Recopa e a Copa da Uefa. As leituras me ensinavam muito.
No meio disso tudo, teve uma Copa na Itália. Nunca haverá uma mascote mais legal que o "Ciao". E nem um GC tão marcante na TV, com os pontilhados no canto da tela. Eu devo me lembrar de todos os resultados de todos os jogos daquela Copa. Tinha 11 anos.
Eu queria morar na Itália. Já adolescente, comecei a estudar italiano. Eu queria ser como Silvio Lancellotti. Ouvir a transmissão em outro idioma e contar que gols estavam saindo nos outros jogos. Eu queria contar as histórias como as que o Silvio contava. Eu queria conhecer as cidades, para poder falar delas como o Silvio falava.
O tempo passou. Eu conheci a Itália e deixei de querer morar na Itália - nada contra, apenas conheci outros lugares ainda melhores.
Fui a Milão, Turim, Sestriere, Como, Lecco, Monza, Verona, Veneza, Trento, Trieste, Bologna, Modena, Viareggio, Florença, Roma, Nápoles, Capri, Palermo, Agrigento, Siracusa, Catania, Taormina, Siena, San Giminiano. Subi no Etna, esquiei em Madonna lado a lado com Schumacher, fui ao museu da Ferrari em Maranello e visitei Superga. Fui ao San Siro, ao Delle Alpi, ao Olímpico de Turim, ao Olímpico de Roma. Fui dezenas de vezes a Milanello, fiz entrevistas em Appiano Gentile e Trigoria. Bati o carro em Roma, dormi de favor na casa de um amigo chinês em Milão, dormi de favor na casa de um amigo alemão na cidade eterna, fiquei em um hotel na zona industrial de Bérgamo, fiquei em um hotel de um romeno que me contou coisas do arco da velha, comi massa caseira na via Tortona, dica do Kaká.
Não, não posso reclamar nem um pouco da vida. Não sei se tudo isso teria acontecido não tivesse sido pelo Silvio.
Um dos meus maiores orgulhos foi quando um colega italiano me questionou de que região da Itália eu era exatamente, pois ele não estava reconhecendo o sotaque. Como a fonética não ia funcionar, depois de tanto ouvir o Silvio?
Foi ele que me contou que Rossi, o goleiro do Milan, era caçador de tubarões. Que o homem que mandava na Fiorentina chamava Cecchi Gori. Dos gols que o Casagrande marvaca não em Ascoli, mas em Ascoli Piceno. Foi ele que me fez ser um apaixonado por futebol europeu quando aqui no Brasil ninguém dava a mínima.
Eu e o Silvio já fomos contemporâneos na ESPN Brasil. Foi por pouco tempo. Nos encontramos poucas vezes. Ele sempre gostou muito do meu irmão, possivelmente por isso me chamava de Julinho - meu "nome" na família. Eu era mais novo, mais ambicioso, mais preocupado com besteiras, mais pilhado, não tinha filhos. Não devo ter tido o tempo de agradecer ao Silvio. Pecatto.
Neste sábado, 24 de outubro de 2020, "piú o meno" 30 anos depois daquilo tudo, eu comentei um jogo da Série A italiana pela primeira vez. Foi um Lazio 2 x 1 Bologna na tela do Bandsports, que não entrará para a história do calcio, só para a minha.
O jogo foi narrado por outro amigo, Eduardo Castro, com quem tive a honra de cobrir a morte do Papa João Paulo II em Roma, 15 anos atrás, para a Band. O Edu contou que o Spaghetti a bolognesa não existe na Itália (e não existe mesmo!). Tanto tempo depois, sigo aprendendo com ele, como sempre aprendi com tantos outros.
Com todos os narradores com quem trabalhei. Com todos os apresentadores/as e comentaristas com quem dividi mesa. Com meu irmão, sem dúvida o grande responsável (involuntário, diz ele) por isso tudo.
Com Régis Andaku, que me deixou comentar os primeiros jogos da minha vida, ainda no UOL, quando TV na Internet era um projeto à frente do tempo. Com Luis Miguel Hinojal, que me convidou para comentar o Brasileirão lá na Espanha. Com José Trajano, que me deu o microfone da ESPN Brasil para falar de tudo o que eu tinha aprendido sobre a Espanha e o futebol espanhol. Com Paulo Calçade, meu professor e inspirador. Com Toninho Prada, que me acolheu no Terra. E, agora, com Denis Gavazzi, que me dá a chance de falar de futebol no Bandsports e na Conmebol TV.
Eu contei algumas outras coisas na transmissão, mas não muitas, porque não deu tempo. Pelo menos deu tempo de agradecer ao Silvio.
Prometo fare meglio nas próximas, amico. Grazie tanto.
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