Como a demissão de Domenec explica as decisões de Coudet e Rogério Ceni
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O projeto Domenec Torrent durou três meses. Isso aí! Três meses. Um, dois, três. É possível desenvolver um projeto em três meses? É claro que não. É possível pegar um projeto em andamento e dar continuidade? É claro que sim.
Dome não era o plano A do Flamengo. Depois de errar feio com Abel Braga e acertar em cheio com Jorge Jesus, talvez a diretoria do clube tenha achado que o sucesso de 2019 tinha mais a ver com ela do que com os verdadeiros protagonistas. E foram em busca de um treinador fazendo entrevistas e tudo mais, em plena pandemia.
Vejam, não estou criticando. Acho que a escolha de um treinador teria mesmo que ser feita a dedo - isso se os projetos fossem sólidos e, os tempos, respeitados. Como não há nada disso no Brasil ou no Flamengo, o que foi feito em julho parece um tanto quanto patético. Apenas visitaram a Europa em plena pandemia e gastaram bons euros do clube.
O Flamengo queria Carlos Carvalhal, que preferiu fechar com o Braga (aliás, no domingo o Braga ganhou do Benfica, de Jorge Jesus). Recebeu um "não". Foi falado no nome de Marco Silva, também não deu certo. Tudo isso, claro, depois de Jorge Jesus preferir voltar a Portugal, mesmo que para um mercado secundário da elite.
O Palmeiras também levou "nãos" recentemente. Do espanhol Miguel Ángel Ramírez, que faz sucesso no pequenino equatoriano Independiente del Valle. E dos argentinos Ariel Holan, hoje da Universidad Católica chilena, e Sebastian Beccacece, do Racing.
O Palmeiras não conseguiu escolher um técnico estrangeiro. Ele foi, na verdade, escolhido pelo português Abel Ferreira, que ganhou o emprego graças a um bom trabalho de empresários. Já o Flamengo, antes, resolveu apostar em um tal Domenec Torrent, auxiliar de Pep Guardiola durante anos, mas sem muita experiência como técnico principal.
Foi o que sobrou para os dois.
Um dia, os clubes brasileiros seriam penalizados pela maneira amadora, desrespeitosa e chucra como trataram treinadores ao longo das décadas. Agora que os mais poderosos querem buscar o bom futebol, que eles mesmos desprezaram nos últimos 30 anos, estão pagando o preço. Recebendo negativas mundo afora. Não são confiáveis.
Treinadores empregados em outros clubes, mesmo que menos poderosos e competitivos, mesmo ganhando menos, preferem ficar onde estão do que serem queimados no mercado de moer carne brasileiro. Para torcedores e dirigentes, ganhar é o único que importa. Mas, para muitos profissionais, o que importa é poder trabalhar. Todos querem ganhar, mas este não pode ser o único combustível para a sobrevivência.
Porque todos eles sabem, e todos nós deveríamos ter aprendido, que ganhar é um troço difícil para caramba. Na maior parte das vezes, campeonatos são perdidos. Às vezes, bem às vezes, ganhos.
E aí chegamos a Eduardo Coudet, que abandona o Internacional para treinar o Celta de Vigo. Muitos estão espantados. "Como assim! Trocar um gigante na liderança do Brasileiro para assumir o 17o colocado da Espanha!". Talvez Coudet tenha notado que, aqui, promessas não são cumpridas. Que a consistência não resiste a algumas derrotas. Que ganhar ou perder um clássico regional tem muito mais peso do que trabalhar direito 24 horas por dia, 7 dias por semana. Que a bagunça, no fim, manda.
Osorio e Bauza já tinham pulado fora do São Paulo sem duvidar. Agora é a vez de Coudet. Não é legal. Criticamos os clubes que não respeitam contratos, não dá para elogiar os técnicos que fazem o mesmo. Mas esses caras têm a perfeita noção que, hoje, tomarão uma decisão para serem corretos com os clubes. Amanhã, os clubes não pensarão duas vezes antes de demiti-los. Eles sabem como a banda toca no Brasil, não dá para confiar em dirigente algum.
Rogério Ceni, com esta mesma lógica, sabedor de como as coisas funcionam, resolveu dar o "salto" do Fortaleza para o Cruzeiro. Só que foi um salto do abismo, ele não sabia o que iria encontrar. Não foi uma decisão da qual ele se arrependeu por causa da ética e, sim, por causa do buraco em que se meteu. OK, o Fortaleza abriu as portas novamente, mas este é um caminho de duas mãos. Foi bom para Ceni e foi bom também para o clube, que nunca teve tanta exposição nacional.
Agora quem foi atrás de Ceni foi o Flamengo, e ele novamente aceitou. Eu sei que o torcedor do Fortaleza está chateado, mas é o caminho natural das coisas, principalmente pela forma como tudo funciona aqui. O cavalo selado raramente passa duas vezes.
Renato Gaúcho era o queridinho de todos um tempo atrás e hoje nem mesmo entra na pauta flamenguista. O futebol, além de cruel, é muito dinâmico. Uma vitória aqui, uma derrota ali e as percepções mudam completamente. Daqui a pouco o Fortaleza perde jogadores, entra numa fase ruim e Ceni, além de jogar fora a chance de pegar o clube mais poderoso do Brasil, ainda acaba demitido.
Em outro mercado, outro contexto, talvez Rogério Ceni pudesse ficar no Fortaleza e seria recompensado por isso, elogiado por isso, procurado por isso. Mas o Brasil vive um contexto próprio, que não se repete nem mesmo em paisecos do nosso continente. O gosto mais marcante do "suco de futebol brasileiro" é a instabilidade. Só o resultado importa, não o trabalho nem o modelo nem o estilo nem nada.
O coitado do Domenec foi contratado para fazer um trabalho autoral e de longo prazo. O que ele devia ter feito? Traído o próprio acordo e dado continuidade ao que fazia Jesus. Esperasse um pouco para fazer aquilo que ele foi contratado para fazer. Porque na verdade ele não havia sido contratado para fazer aquilo que falaram, e sim para fazer a coisa mais simples de todas: ganhar jogos. Ele não sabia como a banda tocava. E talvez nem fosse mesmo competente para mudar o próprio destino.
Mas, ao ver o que aconteceu com Domenec, por que outros técnicos profissionais e que se dão o respeito irão tomar um copão de suco de Brasil?
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