Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Sporting campeão! Técnico de 36 anos deixa Jesus a ver navios em Portugal
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Há momentos em que é simplesmente impossível pedir racionalidade. A madrugada de terça para quarta foi de catarse em Lisboa. Depois de seis meses de clausura, cuidados, sacrifícios, limitações de movimentos, um feito esportivo gerou uma espécie de caos organizado (e perigoso, claro que sim). O Sporting Clube de Portugal sagrou-se campeão nacional depois de 19 anos de espera.
E milhares de torcedores não abriram mão de viver a história. Saíram de casa e foram às ruas comemorar. Um ônibus desfilou com os jogadores campeões, que celebraram em um estádio vazio a vitória por 1 a 0 sobre o Boavista, levantaram a taça para ninguém nas arquibancadas. Mas, depois, tomaram uma espécie de banho de massa.
Portugal voltou a conter a pandemia e os números estão controlados, mas logicamente as aglomerações não são exatamente recomendáveis. Enfim. Talvez acabar com uma fila deste tamanho desafie mesmo qualquer chamado à razão.
O grande nome da épica campanha sportinguista é Rúben Amorim. Um técnico de 36 anos de idade que, um ano atrás, foi tirado do Braga pelo Sporting pela bagatela de 10 milhões de euros. Amorim tinha somente 13 jogos no curriculum como treinador de um time profissional. Isso mesmo, vocês leram corretamente: 13.
Um ex-jogador do Benfica, sem tanta expressão, Amorim era técnico do Braga-B quando foi chamado, em dezembro de 2019, para assumir o time de cima. Foram apenas 13 jogos. É verdade que, no meio deles, o Braga foi campeão da Taça da Liga e bateu os três grandes do país. Mas foram apenas 13 jogos. Em março de 2020, início da pandemia, o Sporting resolveu pagar a multa rescisória e fazer uma aposta de alto risco.
Eu passei quase quatro meses em Portugal, entre junho e outubro do ano passado. Por lá, a contratação era tratada como piada. O grande favorito ao título português era o Benfica, que trazia de volta Jorge Jesus, campeão de tudo com o Flamengo.
Jesus, que em sua trajetória chegou a treinar o Sporting e foi quem passou mais perto de tirar o clube da fila, ficou a ver navios. O Benfica não disputou a fase de grupos da Champions League (eliminado pelo PAOK grego, então treinado por Abel Ferreira) e está a 12 pontos do Sporting na tabela. A única coisa de marcante que pode fazer na temporada é evitar o título invicto do Sporting, já que os dois fazem o clássico no próximo sábado, pela penúltima rodada.
Nunca um time conquistou de forma invicta o título português em um campeonato com 18 equipes (34 rodadas). Benfica, uma vez, e Porto, duas vezes, já foram campeões sem derrotas - mas em torneios de 16 times e 30 rodadas.
"Jorge Jesus é visto como um palhaço por muitos aqui, arrogante, com uma falta de humildade sem comparação. Chegou aqui dizendo que foi o primeiro português a ganhar a Libertadores e, provavelmente, o último. No ano seguinte, foi outro português (Abel) e ganhou também! Agora ele agarra-se que a culpa de o Benfica perder o campeonato foi do Covid. O Benfica tem um bom elenco e ele que não fez funcionar", conta Chico Caldeira, jornalista, grande amigo deste blog e sportinguista.
"Ninguém estava à espera. Este título é claramente do gajo, do treinador. Ele é muito inteligente, entende de futebol e consegue criar união no grupo. Atenção, vai fazer grandes coisas no futebol europeu."
Frederico Varandas é o nome do também jovem presidente do Sporting, apenas 41 anos, que assumiu o clube há dois anos e meio. Pegou um clube fraturado, que havia acabado de passar pelo inacreditável episódio da invasão de torcedores para agredir jogadores no CT. Fez uma grande aposta. E venceu.
Na época, Varanda justificou assim a polêmica contratação do técnico: "É o treinador certo para valorizar o plantel em 30 ou 40 milhões de euros. Dentro de alguns anos, será demasiado grande para o futebol português. Vem potencializar os jogadores da formação, tem muita ambição e conhece a realidade futebol português."
"O risco maior que ele correu foi a contratação do Rúben Amorim. Pegou o dinheiro da venda do Bruno Fernandes ao Manchester United e contratou o treinador mais caro de sempre. E ainda por cima um indivíduo novo. Foi uma aposta, um risco enorme e que obviamente estamos hoje todos a celebrar", conta Caldeira.
Outro que merece glórias é Hugo Viana, ex-jogador da seleção (convocado por Felipão para a Copa de 2006), que hoje é diretor do Sporting e convenceu alguns jogadores a virem atuar em um clube pouco promissor. No fim, alguns veteranos foram mesclados com um elenco jovem, cheio de jogadores formados em uma categoria de base que já revelou, no passado, gente do porte de Figo e Cristiano Ronaldo. Em campo, o líder do jovem elenco foi Coates, zagueiro uruguaio de 30 anos.
"Não haver a pressão do público no estádio fez a diferença. Foi benéfico para o Sporting, com um time tão jovem, tão cheio de miúdos que nem eram nascidos quando o Sporting foi campeão pela última vez", admite Caldeira.
O fantasma dos 19 anos sem títulos também ficou do lado de fora dos estádios. Desta vez, não teve assombração nem sustos. O leão rugiu forte depois de tanto tempo.
E o magnânimo Jorge Jesus, ganhador de tudo e que chegou a Portugal considerando-se a última bolacha do pacote, assiste à consagração de um rapaz de que nem tem ainda todas as licenças para ser treinador de futebol. Rúben Amorim é o cara do título do Sporting. Melhor guardar este nome.
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