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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bola de Ouro muda regras para tentar resgatar credibilidade perdida

11/03/2022 15h03

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Quando o assunto é premiação individual no futebol, a Bola de Ouro sempre foi mais respeitada na Europa do que o prêmio Fifa. Tem mais história e sempre foi definida por um comitê de especialistas, enquanto a Fifa ampliou o leque de tal forma que os resultados sempre acabaram tendo um viés mais "popular" do que propriamente técnico. Mas a pandemia resultou em dois golpes duros para o prêmio da revista "France Football".

O primeiro, por culpa dela própria, cancelando de forma precipitada a premiação de 2020. O segundo, por culpa da mudança no comitê de votantes (jornalistas do mundo inteiro), o que resultou em uma Bola de Ouro vencida por Messi - a premiação foi meio constrangedora, Messi elogiou Lewandowski por 2020, parecia saber que não deveria ter vencido aquela lá em 2021, a sétima dele. Resultado: foi anunciada hoje uma série de mudanças para tentar resgatar a credibilidade do prêmio.

1) Vale o que o cara faz na temporada, não no ano corrido. Muita estranha, essa mudança. Já não era assim, oras bolas? Sempre foi um prêmio da temporada, não do ano, e essa era, inclusive, uma das vantagens da Bola de Ouro em relação à Fifa. Talvez estejam querendo apenas reforçar e dar a entender que esta "confusão" acabou atrapalhando no ano passado. Deveriam dar o prêmio já em agosto ou setembro, no início da temporada seguinte, até para que não haja confusão alguma.

2) Mais especialistas para fazer a primeira seleção de nomes, ou seja, irão incluir ex-jogadores de peso (ganhadores) e não só a "turma da redação" - essa é uma mudança que não terá muito efeito para o resultado final. O que aconteceu é que a lista de 30 nomes do ano passado tinha, por exemplo, Azpilicueta (!!!) e não tinha Mendy, o melhor goleiro do mundo. Essas coisas tiram credibilidade.

3) Menos votantes. O comitê não pega mais jornalistas do "mundo todo" e, sim, representantes dos 100 primeiros países do Ranking Fifa. Eu ainda acho muita coisa. Poderia ser mais restrito a quem vive o futebol europeu de perto e sabe o que está rolando nos outros continentes.

4) Prêmio individual. Será avaliado o desempenho de um jogador, independentemente dos títulos coletivos que ganhe. Ou seja, não querem um Jorginho aparecendo ali em terceiro lugar "só" porque ganhou Champions com o Chelsea e Euro com a Itália. Não acho que seja possível querer que um votante dissocie as atuações individuais do que ele ganhou com o time.

Se isso valesse desde sempre, Cannavaro, por exemplo, nunca poderia ter sido eleito o melhor do mundo em 2006. E este foi um erro tanto da Fifa quanto da France Football. Esse tipo de coisa vai acontecer um ano ou outro, quando não houver um destaque individual muito claro ou quando esse cara que se destacou não tiver conquistado nada, nada, nada com time ou seleção.

Me parecem mudanças quase cosméticas, para dar uma resposta e tentar não ficar para trás depois do que aconteceu em 2020 e 2021. Não é a primeira vez, diga-se, que os franceses tentam dar uma resposta assim.

Em 1995, a Bola de Ouro fez sua primeira mudança importante. Passou a ser permitida a premiação de jogadores de fora da Europa. Ou seja, ela deixou de ser uma espécie de "melhor europeu do ano" para ser "o melhor jogador do ano na Europa". Isso aconteceu porque a Fifa começou a premiar o melhor do mundo em 1991 e, em 1994, rolou um deslize daqueles. Romário era o melhor do planeta, mas Bola de Ouro foi para o búlgaro Hristo Stoichkov.

Os franceses foram rápidos, a regra mudou em 95 e bizarrices como aquela não mais aconteceriam. Já naquele mesmo ano, George Weah seria o primeiro africano a ganhar a Bola - foi eleito também o melhor pela Fifa. Em 2016, a France Football resolveu outorgar "Bolas de Ouro" retroativas para as temporadas de 1956 a 1994, incluindo jogadores não-europeus. Pelé ganhou sete, Maradona levou duas, Garrincha e Kempes ganhariam uma, assim, claro, como Romário por 94.

Entre 1995 e 2009, a Bola de Ouro manteve-se como a premiação mais respeitada pelos europeus. Até que veio a "unificação", pois a Fifa não estava gostando muito daquilo. Entre 2010 e 2015, o prêmio foi chamado "Fifa Bola de Ouro". Em duas destas temporadas, 2010 e 2013, é bem possível que Messi e Cristiano Ronaldo não tivessem sido eleitos o melhor do mundo, fosse o antigo comitê da France Football a votar - e não técnicos, capitães e jornalistas de todos os países do globo.

Em 2016, a Fifa cria então o seu "The Best" e a Bola de Ouro volta a ser a Bola de Ouro. Mas aí são cometidos os dois erros graves já citados. Em 2020, devido à pandemia, a premiação não foi dada. Foi uma decisão precipitada, tomada quando o mundo estava parado. Mas o futebol voltou por todas as partes, a temporada foi retomada e encerrada. O vácuo deixou a Fifa como única entidade a dar o prêmio.

E, para 2021, a Bola de Ouro mudou seu colegiado, ampliando para gente do mundo todo (ficando bem parecido com o da Fifa, na verdade). E isso resultou na eleição de Messi. Ou seja, o polonês Robert Lewandowski, melhor jogador do planeta nas temporadas pandêmicas (19/20 e 20/21), ganhou dois The Best Fifa. Mas nenhuma Bola de Ouro. Ficou chato.

Houve uma repentina perda de credibilidade do prêmio, que só conseguirá ser medida exatamente nos próximos anos. A primeira tentativa de resgatá-la vem com a mudança de regras anunciada hoje.