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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Volta de Mancini ao América-MG não surpreende e é retrato do nosso futebol

Vagner Mancini, ex-técnico do Grêmio, durante partida contra o Atlético-MG, no estádio Mineirão, pelo Campeonato Brasileiro A 2021. 03/11/2021 - Fernando Moreno/AGIF
Vagner Mancini, ex-técnico do Grêmio, durante partida contra o Atlético-MG, no estádio Mineirão, pelo Campeonato Brasileiro A 2021. 03/11/2021 Imagem: Fernando Moreno/AGIF

12/04/2022 10h46

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A volta de Vágner Mancini ao América de Minas é um daqueles eventos que, sozinhos, retratam várias facetas do nosso futebol e até mesmo da nossa sociedade. Não deveria surpreender ninguém. E tampouco julgo qualquer uma das partes. As coisas são como são.

Mancini foi muito criticado no ano passado ao trocar um América que disputava vaga na Libertadores e fazia grande Brasileiro (para as pretensões do clube) por um Grêmio virtualmente rebaixado.

Mesmo sem Mancini, o América entrou na Libertadores (na fase prévia), apesar de ter piorado o desempenho. Mesmo com Mancini, o Grêmio caiu, apesar de ter melhorado o desempenho.

Concluíram que era melhor reatar. Aqui, poucos pagam pelos erros que cometem. Perdoai-vos uns aos outros, como eu vos perdoei. Amém. Segue o jogo. O passado raramente influencia no presente.

O debate girou muito em torno do conceito. Como pode um técnico deixar um bom trabalho para pegar uma barca furada? "Depois, reclamam". "Técnicos fazem o mesmo que os dirigentes". "Não se pode confiar em ninguém". Frases que foram jogadas no ar na época. Como tendemos a defender os treinadores e atacar dirigentes pelas degolas bizarras do futebol brasileiro, é normal que a opinião pública se escandalize quando a suposta vítima faz o mesmo que os algozes.

Eu não critico Mancini conceitualmente. Não porque concorde com o conceito. Mas porque é assim que funciona, e clubes e treinadores que tentam fazer algo diferente não conseguem sustentar. É preciso alterar regras para forçar relações de trabalho mais saudáveis, não adianta dar murro em ponta de faca.

Acho apenas que foi uma decisão burra de Mancini na época. Era melhor ter ficado no América do que ter ido para o Grêmio. O tamanho dos clubes não se discute, mas era virtualmente impossível mudar o cenário. Ele teve sorte, a oportunidade apareceu para voltar ao América, que seja feliz.

Eu critico, sim, os técnicos, e Mancini era até outro dia presidente de uma associação de treinadores, confesso que não sei se continua sendo. Critico porque calendário e as práticas nefastas do futebol brasileiro são péssimos para bons técnicos, mas ótimos para maus técnicos. Basta estar "na roda". Eles se aproveitam da incompetência de dirigentes para aproveitar a dança de cadeiras e ganhar bastante dinheiro com isso.

Ou seja, nunca se interessaram em mudar. Bastava adotar o discurso vitimista, que todos nós, da imprensa, compramos. Nunca mexeram uma palha para estabelecer regras que os protegesse - mas que restringisse um pouco o mercado a eles mesmos.

O pepino é que essa restrição veio com a chegada de estrangeiros. E agora eles estão sem as regras de proteção, sem um calendário decente e também sem empregos e sem os salários absolutamente incompatíveis que eram pagos. Na dança das cadeiras, tiraram, de uma vez, metade delas.

Mancini sabe bem que o América não demoraria 5 minutos para demiti-lo caso a maré virasse no ano passado, então tomou a decisão que tomou. E tanto estava certo na leitura que vemos o América fazer exatamente isso agora, com Marquinhos Santos - que precisou rifar o Mineiro por causa da Libertadores, entrou na Libertadores e, na hora do filet mignon, ganhou um pé na bunda.

O futebol brasileiro segue sendo dirigido por amadores, que tomam decisões com o fígado e em função do humor da opinião pública, sem qualquer responsabilidade financeira. A diferença é que os técnicos brasileiros, antes, estavam em uma situação de precariedade de trabalho compensada pelos altos valores e as muitas vagas disponíveis no mercado. Agora, a precariedade continua e as vagas escassearam.

É preciso entrar em uma nova fase. A qualificação é vital para se manter no mercado e para voltar a ocupar cargos em outros mercados. Mas, essencialmente, é preciso, afinal, mudar regras. E criar uma situação em que os clubes realmente tenham de ficar mais tempo com o mesmo treinador (além do óbvio, racionalizar calendário). Assim, as escolhas serão feitas com mais cuidado e a competição levará os técnicos à busca da excelência, não do comodismo.

Os técnicos são vítimas, mas também vilões desta história toda. É tanta coisa errada no futebol brasileiro que fica difícil escolher culpados. São todos. Somos (quase) todos.

Mancini deu sorte desta vez. Mas já não há mais muita margem para que isso se repita.