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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Guardiola é um gênio, mas some nas 'finais' e até desistiu de explicá-las

Pep Guardiola lamenta eliminação do Manchester City contra o Real Madrid pela Liga dos Campeões 2021/2022 - Alex Livesey - Danehouse/Getty Images
Pep Guardiola lamenta eliminação do Manchester City contra o Real Madrid pela Liga dos Campeões 2021/2022 Imagem: Alex Livesey - Danehouse/Getty Images

23/05/2022 11h45

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O Manchester City é o justo campeão da Premier League, novamente. Também seria justo se o título inglês fosse parar em Liverpool - é a segunda vez em três anos (quatro temporadas) que os times de Guardiola e Klopp chegam separados por "nada" na última rodada, o City acaba campeão e o Liverpool, vice, apesar de mais de 90 pontos somados.

Todos que me acompanham sabem que eu considero que qualquer campeonato de futebol precisa ser decidido em confrontos diretos. É possível ter calendário grande e previsível e, mesmo assim, ter playoffs (ou mata-mata, como queiram), estão aí as ligas americanas para mostrar isso. Talvez pudesse ser inventado algum mecanismo de haver final, semifinal quando os pontos corridos não determinarem um claro campeão - diferença de três pontos ou menos, por exemplo. A graça do esporte está no confronto direto e não definir o título em função de um ter vencido e outro empatado contra o 14o colocado, após oito meses de disputa.

A discussão é ótima e nem vem ao caso aqui. Mas ela se aplica, e muito, a Pep Guardiola. Por que, afinal, o cara ganhou 10 dos 13 campeonatos que disputou em pontos corridos mas, na Liga dos Campeões da Europa, chegou a apenas uma final nos últimos 11 anos?

Já começo dizendo que Guardiola é o técnico mais importante do futebol neste século, um dos grandes de todos os tempos. Sua capacidade de ter mudado o jogo e de fazer times atuarem à sua maneira é inacreditável. Vimos, desde 2008, a história passar na nossa frente. Eu diria que Guardiola "resgatou" o futebol de uma era insuportável de resultadismo. É claro que o resultado vai sempre mandar em qualquer esporte, mas não é possível ficar refém dele, esquecendo-se do desempenho, do espírito, da alma, até da estética.

Maaaaaaaaas, dito tudo isso, é preciso discutir, sim, por que o chamado "melhor técnico do mundo" não consegue ir bem em mata-matas. Ou, pelo menos, não consegue ir bem em nível ao menos parecido com a dominação imposta em campeonatos estilo maratona, os pontos corridos.

Ontem, na "final" da Premier League contra o Aston Villa, o time de Guardiola voltou a demonstrar uma incrível incapacidade de jogar sob pressão. Por 75 minutos, em um jogo contra um time de parte baixa da tabela, o Manchester City foi incapaz de jogar bola. Sentiu a pressão, só isso explica. Falta de treinamentos e automatismos é que não era, certo? O jogo tem um forte componente mental, psicológico, que se acentua em partidas de vida ou morte.

É muito diferente jogar uma partida de qualquer rodada de um campeonato de pontos corridos e jogar uma partida eliminatória. É uma falácia a história de "todo jogo é uma final nos pontos corridos". Mentira deslavada. Qualquer derrota pode ser resgatada. A não ser que a gente esteja falando de um jogo como o de ontem, que ganha característica de decisão.

E o que explica os 5 minutos de fúria, que resultaram em três gols, na virada épica e no título? Bem, não sei se tenho a obrigação de explicar, já que Guardiola tampouco soube fazê-lo. "Liguei para o Real Madrid para pedir alguns conselhos", disse ele, brincando/ironizando. Para, depois, emendar: "Não tem explicação nem o que aconteceu em Madrid (na Champions) e nem o que aconteceu hoje, assim é o futebol".

Olha, Pep tem um ponto. O futebol é mesmo um jogo imprevisível, em que coisas malucas podem acontecer. É por isso, também, que é tão apaixonante e transformou-se no esporte mais popular do planeta. Mas resumir a isso? Um pouco pobre, não? Tudo pode ser treinado, vários cenários podem ser previstos, antecipados. Controle do resultado final da coisa, ninguém tem. Mas lavar as mãos não é uma opção para profissionais. E Guardiola, cada vez, tenta se convencer ou nos convencer de que não há nada que ele possa fazer nos grandes jogos, decididos por margens menores.

Ele está entrando em uma espiral perigosa, até. Depois da eliminação no Bernabéu, passou dias na defensiva, bravateando. "Ganhar a Premier League é mais difícil do que ganhar a Champions League" foi a maior das bravatas. "Não vivo para ganhar a Champions League". Ah não? Guardiola é um controlador fanático e, como os jogos de vida ou morte são menos "controláveis", parece até que ele está "desistindo" ou se auto convencendo de que o melhor caminho é "desencanar".

"Mas Julio, Guardiola já ganhou duas Champions!". É verdade. E não vou aqui cair na tentação de falar que ele tinha Messi naqueles tempos. Pelo contrário. Vou lembrar como se deram as quatro participações do Barcelona naquelas Champions sob Guardiola, mesmo com Messi.

Em 2009, é campeão. Alguém se lembra do que aconteceu na semifinal contra o Chelsea? Uma das arbitragens mais inacreditáveis da história e a classificação para a final com o gol milagroso de Iniesta. Em 2010, perdeu para a Inter de Milão, de Mourinho. Em 2011, foi campeão de novo. O maior time de futebol que já vi jogar. Mas podemos falar de arbitragens bem discutíveis nas oitavas de final, contra o Arsenal, e nas semifinais, contra o Real Madrid. Em 2012, perdeu para um medíocre Chelsea na semifinal.

Então, com aquele time que ele montou, que está na história, ganhou duas e perdeu duas. Depois, com o time inacreditável que tinha o Bayern de Munique, que era campeão europeu (2013), diga-se, foram três derrotas seguidas em semifinais. Derrotas na bola e na tática, Guardiola foi superado claramente naquelas eliminatórias por Luis Enrique, Zidane e Simeone. Chegou, então, a era City. E vieram eliminações para Monaco, Lyon, Tottenham, um Liverpool que ainda não era esse, veio a derrota na única final, para o Chelsea, em que novamente Guardiola foi superado taticamente por outro técnico (Tuchel) e, por último, a debacle de Madrid.

Podemos falar também das Copas inglesas, que logicamente têm muito menos competição do que a europeia. Na Copa da Liga Inglesa, em que os grandes costumam jogar com time reserva, o City foi campeão de quatro das seis que jogou com Guardiola. Mas na Copa da Inglaterra, que tem mais peso, apenas um título e cinco eliminações, quatro delas em semifinais.

Me desculpem, mas várias destas eliminações na Europa e as formas como ocorreram eram para lá de previsíveis. E sempre pareceu que os times de Guardiola não estavam preparados para tudo o que todo mundo sabia que ia acontecer. Não dá para simplesmente falar "o futebol é assim mesmo" e tirar a enorme parcela de responsabilidade dele.

Nos pontos corridos, quantas "finais" de última rodada como a de ontem ele teve de jogar? Se bem me lembro, só em 2019 e agora, em 2022, os times dele foram campeões na última rodada. E sempre foram "finais" contra outro time, não contra o adversário direto na luta pelo título.

Falamos muito de Pep Guardiola como nome ideal para a seleção brasileira. Eu colocaria o futebol brasileiro inteiro nas mãos de Guardiola. Desde a base até a principal, é uma questão filosófica de como o jogo deve ser sentido e jogado. Daria carta branca dentro da CBF. Mas, quando chegasse a Copa do Mundo, daria férias para ele.