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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Briga, castigo e soberba: Técnicos europeus também sabem passar vergonha

Thomas Tuchel e Antonio Conte se desentenderam após a partida entre Chelsea e Tottenham - Glyn Kirk/AFP
Thomas Tuchel e Antonio Conte se desentenderam após a partida entre Chelsea e Tottenham Imagem: Glyn Kirk/AFP

16/08/2022 04h00

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Cuca e Mano Menezes passaram um recibo daqueles no fim de semana. O primeiro explodiu na entrevista após a vitória do Galo em Curitiba, ficou claramente chateado pelo fato de Abel Ferreira ter feito um comentário tático sobre por que o Palmeiras havia conseguido parar o Atlético com um a menos, pela Libertadores.

Segundo Cuca, "quando se ganha, tudo está bom". Ele está redondamente certo ao falar isso. Só se esquece que servia para ele próprio até pouco tempo atrás. No Brasil, não gostamos de ser criticados por terceiros. É uma característica da nossa cultura. Só nós podemos falar mal de nós mesmos ou da nossa cidade ou do nosso time. Se algum outro falar...

No momento em que vi Abel Ferreira comentar sobre o tal bloco defensivo e como o time de Cuca estava por fora do bloco, sabia que ia gerar melindre da classe. Tanto que lá no Rio Grande do Sul, no domingo à noite, Mano Menezes também alfinetou o técnico do Palmeiras. Ao falar de seu Inter, citou a necessidade de melhorar algumas coisas no time e que havíamos tido uma "aula" alguns dias antes. Não citou nomes, não precisava, tudo ficou bem claro.

Os técnicos brasileiros não gostam de falar de futebol abertamente, do próprio trabalho e do trabalho do outro, como fez Abel, porque: 1) Não sabem mesmo, não têm conteúdo? 2) Não querem entregar informações a outros rivais? 3) Consideram antiético?

Cada um pode dar a resposta que quiser. Eu não vejo problema no que fez Abel. Cuca e Mano, sim. E outros também, isso está claro. Se alguém quiser fazer o mesmo e falar sobre Abel, ele que aceite e aguente - de preferência, responda. Assim, aprendemos e evoluímos. Com tese e antítese, com o contraditório. Não com cada um se achando dono da verdade e criando uma redoma sobre si.

Mas, para sermos honestos com Cuca e Mano, o que eles fizeram foi fichinha perto do que quatro treinadores europeus fizeram em um espaço de menos de 48 horas. O que prova que a idiotice não tem nacionalidade.

No sábado, o português Vítor Pereira soltou aquela infeliz resposta sobre ter medo de demissão no Corinthians. "Sabe quanto tenho na conta bancária?". Podem estar certos que VP abreviou bastante a passagem dele pelo Brasil depois dessa. A elite pensa assim o tempo todo, age assim o tempo todo, o "sabe quanto eu tenho na conta bancária?" é a frase que rege quase todas as relações profissionais e sociais no Brasil. Mas falar....? Falar, não pode. É hipócrita, mas é assim. E tem que ser mesmo.

Por mais que tenha pedido desculpas (menos mal), Vítor Pereira pisou feio demais na bola. Não há erro tático ou Cantillo de 5 que seja pior do que ele fez, ainda mais sentado na cadeira de treinador do Corinthians, um time historicamente popular e legítimo representante das camadas menos favorecidas do país.

Os outros papelões ocorreram na Inglaterra. No domingo, em Londres, Chelsea e Tottenham empataram o clássico por 2 a 2 e os treinadores, o alemão Thomas Tuchel e o italiano Antonio Conte, quase saíram na mão.

Não dá para saber a origem de tudo. Conte tem histórico, é um cara explosivo, provocador, italiano, enfim. Tuchel, pelo contrário, sempre foi mais contido. Algo ali aconteceu, as cenas não foram normais. Foram um péssimo exemplo para o mundo, porque jogos da Premier extrapolam as fronteiras inglesas, e é bem possível que peguem uma punição severa.

É provável que alguns técnicos brasileiros queiram dar um cascudo em Abel Ferreira, do mesmo jeito que o Tuchel quis dar no Conte. Melhor que fiquem nas indiretas de coletivas, acho que já temos suficiente violência e agressividade por aqui. Lá pelo menos existe punição e o caso é claramente isolado. Aqui, a violência permeia tudo - futebol, cotidiano e, agora, também a política.

Por fim, o quarto papelão de um técnico europeu veio na segunda-feira e foi protagonizado por Erik Ten Hag, o holandês do Manchester United. O time dele levou uma sacolada de 4 a 0 do Brentford e a estatística mostrou que o United correu, ao todo, 14 km a menos do que o adversário.

No treino do dia seguinte, veio o castigo. Os jogadores foram obrigados a correr 14 km, incluindo Cristiano Ronaldo. Eu realmente não esperava ver uma decisão tão infantil vindo de um cara da escola holandesa e em um clube tão tradicional, importante e global como o United. Acho que Ten Hag, assim como VP, acaba de abreviar a passagem dele por Manchester. Dar castiguinho não é condizente com o cargo e o nível de profissionalismo em torno do esporte e da Premier.

No Brasil, dois casos de incômodo com um técnico estrangeiro que faz sucesso e gera ciumeira. No Brasil e na Inglaterra, quatro derrapadas fortes de treinadores europeus. Seis casos tristes, que talvez devessem nos fazer refletir sobre o tamanho da importância que se dá aos técnicos no futebol de hoje em dia. Eles são protagonistas, sem dúvida, mas não podem ser tratados como maiores que o espetáculo.