Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pelé definiu o que era o Brasil e deu identidade aos brasileiros
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"Você está sabendo que morreu o Rei Pelé? Sinto muito, amigo". A pergunta veio de um vendedor ambulante argentino, de quem eu comprava uma camiseta de Messi para meu filho menor, na pequena cidade de Tigre, pertinho de Buenos Aires. Eu já sabia da notícia, alguns minutos antes. Poucos minutos. Na barraquinha ao lado, um rádio estava ligado e o apresentador falava de Pelé. Duas para o lado, a mesma coisa.
Agora, na madrugada argentina, entrei em todos os sites internacionais que conheço e em todos eles a manchete é Pelé. "O Rei" é maior do que imaginamos.
Eu tenho a impressão que todo mundo no Brasil tem uma história com Pelé para contar. Meu pai tem. Sempre conta que jogou contra Pelé quando ele tinha uns 16, Pelé uns 13. É por isso que nunca me esqueço do ano de nascimento dele, três depois do meu pai. Eu não tenho história alguma. Nunca entrevistei Pelé. O mais perto que cheguei dele foi no sorteio para a Copa de 2006, na Alemanha, quando lhe fiz uma pergunta em uma espécie de mini coletiva improvisada. Nem lembro da pergunta e menos ainda da resposta. Mas, na pequena Tigre, eu virei uma espécie de "familiar" de Pelé e recebi as condolências de um argentino aleatório.
É o que somos todos. Familiares de Pelé. Todos, absolutamente todos nós, somos de alguma forma afetados em nossas vidas pelo que fez Pelé enquanto jogou bola.
Não creio que faça falta aqui que eu enumere os feitos de Edson Arantes do Nascimento. Entre todas as discussões maravilhosas que o futebol nos proporciona, a mais fútil é aquela que só existe fora das nossas fronteiras, sobre quem foi o maior de todos. Acabem qualquer discussão perguntando: "Sabem por que Maradona, Messi, Platini, Zidane e tantos outros que são 'os melhores' de um time ou uma seleção usaram a camisa 10, e não a 3 ou a 9 ou a 14 ou a 7 ou qualquer outra?"
Não me importa muito o que Pelé fez voluntária ou involuntariamente. Me importa menos ainda o que o Edson fez como ministro, comentarista, empresário ou marido. Pelé foi simplesmente o cara responsável por dar uma identidade ao Brasil. Há poucos povos com uma "marca" tão clara quanto a nossa.
"Brasil, o país do futebol". Uma profusão de critérios podem desfazer esta máxima rapidamente. Danem-se os critérios. O Brasil é e sempre será o país do futebol, porque Pelé nos colocou no mapa mundi desta maneira. Em tempos de pós-guerra, quando colônias deixavam de ser colônias e impérios deixavam de ser impérios, lá estava aquela massa grande de terra, no tal continente chamado América do Sul, um país pujante, que ninguém sabia bem o que era e para que prestava.
Quem nos deu rumo foi o futebol. Quem nos deu o futebol, foi Pelé. Um negro, como tinha que ser.
Um amigo espanhol, jornalista, conversava comigo no Qatar depois de alguma partida da Copa do Mundo e eu disse a ele que achava que Pelé poderia morrer no meio do Mundial. "Tranquilo, Julio", me respondeu. "Pelé não é Maradona. Maradona morreu como viveu. Pelé vai morrer como viveu. Com tranquilidade, sem pegar ninguém de surpresa, com calma e grandeza".
Pelé merecia que todos os obituários fossem bem trabalhados nos últimos dias, em todos os idiomas possíveis. Merecia que as manchetes de sua morte já estivessem bem definidas, com palavras escolhidas e encaixadas no espaço determinado. Merecia as melhores fotos. Merecia que a família inteira pudesse se despedir dele. Merecia que o país inteiro pudesse se despedir dele, em dias de férias e pouco agito.
Pelé está morto, mas viverá para sempre. Nós somos ele. Ele é o Brasil.
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