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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ausências no velório de Pelé não são só lamentáveis. São inacreditáveis

Coroas de flores para o velório do Rei Pelé, na Vila Belmiro - Marcelo Justo/UOL
Coroas de flores para o velório do Rei Pelé, na Vila Belmiro Imagem: Marcelo Justo/UOL

04/01/2023 04h00

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De bate pronto, só consigo enxergar uma razão pela qual tanta gente importante do futebol brasileiro não esteve no velório de Pelé: a data. Pelé morreu no dia 29 de dezembro, o velório ocorreu no dia 2 de janeiro. Sim, isso foi pensado e sim, dava tempo de chegar a Santos. Mas sabem como é. Quem pode, já se programa para passar a virada de ano com a família em algum lugar e fica difícil mudar os planos.

Não estou passando pano para ninguém. Apenas tentando encontrar alguma desculpa possível para tetra e pentacampeões mundiais não terem aparecido em Santos - exceto Mauro Silva, o que não me surpreende em nada, este é um grande cara.

No meio de gente fácil de criticar, como, sei lá, Ronaldo e Romário, que mandaram coroas de flores, está gente não tão fácil de criticar, como Raí ou Zinho ou Rogério Ceni e tantos caras. Não consigo crer que a maioria desses ex-jogadores tenham apenas tico e teco na cabeça, como o goleiro do penta, Marcos (veja aqui a absurda desculpa dele para não comparecer ao velório de Pelé).

Cafu ainda mandou um vídeo se justificando, dizendo que não conseguiu mudar a passagem. Mas o resto da galera, nem isso. Kaká, que falou que "o brasileiro não valoriza os ídolos", e outros tiveram as contas de Instagram inundadas por gente cobrando a presença no velório, mas não se dignaram a justificar.

É claro que não dá para dissociar o fato da discussão recente que vimos na Copa do Mundo do Qatar. Casagrande, colunista do UOL, criticou os ex-jogadores lá presentes por assistirem às partidas da seleção em camarotes e não "sentirem" e "torcerem" como os ex-jogadores argentinos. Isso gerou uma reação forte de críticas a Casagrande. Mas, ainda durante o Mundial do Qatar, nenhum deles foi à homenagem que a Conmebol fez a Pelé, no centro de Doha. Alegaram problemas de agenda. Quem apareceu foi Zanetti, um argentino.

Era, claramente, um aperitivo.

Eu acredito que alguns tetras e pentas realmente não tenham conseguido mexer os pauzinhos para sair de onde estivessem no primeiro dia do ano para estarem em Santos no dia 2. Mas isso seria aceitável se só alguns poucos não tivessem aparecido. Como foram todos (exceto, repito, Mauro Silva), fica muito claro que o buraco é mais embaixo. A maior parte deles têm grana para mexer em passagens aéreas.

Os jogadores da atualidade podem também ter algum tipo de álibi em função do calendário europeu, recomeçando a todo vapor. Mas sabemos que eles têm dinheiro suficiente e moral suficiente dentro dos clubes para fazer uma bate volta ao Brasil e perder um treino. Muitos fazem viagens assim para lugares mais inóspitos quando se tratam de baladas ou compromissos comerciais.

E Tite, então? Que enorme decepção. E fiquei decepcionado também com a ausência de estrangeiros. E de grandes atletas de outros esportes.

Enfim, o fato é que não tem desculpa. Que tão poucos nomes do futebol brasileiro tenham aparecido para se despedir de Pelé é lamentável. Mas, mais do que isso, é inacreditável. Se eles são o que são, se o esporte deles é o que é, se a conta bancária é gorda como é, tudo isso se deve, em parte, à existência de Pelé. Que dezenas de ex-jogadores e profissionais não se deem conta disso e não tenham se deslocado a Santos para um simples adeus é razão para decepção, tristeza e incredulidade.