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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que Cuca não revela o processo do caso de condenação na Suíça?

22/04/2023 10h01

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Cuca chegou ao Corinthians e foi obrigado a falar sobre o incômodo caso de Berna, em 1987, que foi levantado recentemente - o mundo mudou, o benefício da dúvida, que antes era dado aos homens, hoje é dado às mulheres, as vítimas. O ônus da inocência cabe a quem é acusado. A história do mundo mostra que é mesmo mais plausível acreditar nas vítimas do que nos agressores.

Cuca disse ontem que "não houve estupro", "houve um ato sexual com vulnerável". Está claro, nas entrelinhas, o que ele quer dizer. A menina tinha 13 anos, mas parecia que tinha 18, subiu ao quarto dos rapazes, houve o ato sexual, mas ninguém forçou nada. Ele não se envolveu, mas não contou quem se envolveu. Seria um pacto? Ao mesmo tempo em que Cuca diz ter "vaga lembrança" do caso, ele descreve o formato do quarto. Não explica como a menina foi parar lá, nunca mostrou qualquer preocupação pelo fato, por exemplo, de ela ter tentado se matar quando tinha 15 anos.

O querido Jamil Chade, colunista do UOL, que vive na Suíça há duas décadas e nos brinda com informações exclusivas de lá, nunca conseguiu acesso ao processo que condenou Cuca. Ele escreveu sobre o caso há alguns anos. Outro ótimo repórter do UOL, Pedro Lopes, relatou aqui por que é tão complicado ter acesso às informações da justiça suíça. Marília Ruiz, também colega de UOL, contou em nosso "Fim de Papo", do Canal UOL, que teve acesso ao processo e que a vítima não teria reconhecido Cuca como agressor. No depoimento dado a Marília dois anos atrás, Cuca não falou sobre isso. Mas falou ontem, na coletiva.

O presidente do Corinthians, Duilio Monteiro Alves, disse que o clube fez "ampla investigação" antes de contratar Cuca. Não detalhou que ampla investigação foi essa - e em tão curto tempo, digamos, não é possível ter feito ampla investigação alguma.

O que me faz pensar que a "ampla investigação" foi ter lido o processo. Parece que Cuca - ou seus advogados - tem mostrado o processo ou alguma parte do processo a algumas pessoas, para "provar" que a vítima não o havia reconhecido como agressor sexual naquele dia, em Berna. O que é uma informação realmente relevante, sem dúvida alguma.

O processo está extinto na Suíça. Cuca e seus ex-colegas de Grêmio podem até viajar ao país que não serão presos. Por que, então, não abrir o processo e fazer dele um documento público, para que a torcida do Corinthians, o jornalismo e a sociedade possam saber exatamente o que aconteceu? Ou, pelo menos, saber exatamente o que a justiça suíça alegou para condenar os quatro rapazes. Não há nada no campo legal que impeça que Cuca abra todas as informações que tem em mãos.

Cuca falou sobre o tema, mas ouvir a entrevista coletiva de ontem faz parecer o novo treinador do Corinthians uma vítima da opinião pública. Não é o caso. Cuca pode não ter estuprado ninguém, mas ele estava naquele quarto e foi condenado por isso. Ele diz que seu "único erro" foi não ter falado abertamente sobre o caso antes. Me parece que o "erro" mesmo foi cometido em Berna, em 1987. Vamos sempre lembrar que a verdadeira vítima tem nome: Sandra Pfäffli. Quanto mais esclarecimentos forem feitos, melhor.

Mas o principal mesmo, de tudo isso, é que pais eduquem seus filhos a respeitar corpos alheios acima de qualquer desejo ou calor do momento. Não é sobre Cuca, como sempre diz Milly Lacombe, também colega de UOL. É sobre mudar a nefasta cultura do estupro, perpetuada pelos homens desde que o mundo é mundo.