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Julio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vergonha na Espanha: Vini Jr é maior vítima de racismo da história do jogo

Vinícius Junior, do Real Madrid, reage após ouvir gritos de racismo da torcida do Valencia em jogo no estádio Mestalla - JOSE JORDAN/AFP
Vinícius Junior, do Real Madrid, reage após ouvir gritos de racismo da torcida do Valencia em jogo no estádio Mestalla Imagem: JOSE JORDAN/AFP

21/05/2023 17h48

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A manchete de um jornal catalão neste fim de semana foi "A Liga de Xavi". Normal, compreensível. O Barcelona começou a temporada vendendo até pedaço do museu e tentando se adequar às regras financeiras da Liga. Que acabe em título, merece um destaque. Mas a real notícia é que esta foi "A Liga do Racismo". E o protagonista, Vinícius Júnior.

Pouco importam o título, o rebaixamento, o Xavi, o gol. Foi um Campeonato Espanhol marcado tristemente pelas constantes ofensas racistas dirigidas a Vinícius Jr e, o que é muito pior, marcado pela passividade das autoridades e da própria liga de clubes em relação a tudo o que aconteceu. O "gran finale" foi a expulsão de Vini neste domingo, em Valência. Isso depois de ter sido ofendido durante todo o jogo e ter, inclusive, mostrado um dos agressores na arquibancada. O jogo não foi interrompido, houve confusão na reta final e o vermelho acabou sendo mostrado para a vítima. Estava demorando para uma bizarrice assim acontecer.

O tweet de Vinícius deixa claro que ele pensa em sair. Vai lutar "mesmo longe daqui". Quem poderia criticá-lo? Seria uma vitória dos racistas? Talvez. Mas não cabe a Vinícius a responsabilidade de lutar contra eles. Se quiser sair, que saia.

Carlo Ancelotti começou a temporada dizendo que "a Espanha não era um país racista". Acabou, em Valência, com uma dura entrevista após o jogo se recusando a falar sobre futebol e dizendo que "a Liga tem um problema". Falou também que nunca viu algo do tipo em sua longa carreira e que o jogo precisava ter sido interrompido, pois "o estádio inteiro gritava 'macaco, macaco', não 'apenas' um indivíduo". Talvez tenha caído a ficha para Ancelotti, afinal.

Se pelo menos uma pessoa entender melhor o que é o racismo, já será uma grande coisa. Mas o ideal é que a sociedade espanhola se movimente. Se ela não se mexer e seguir aceitando cânticos e xingamentos racistas no ambiente de um estádio de futebol, estará vestindo a carapuça. Ninguém mais poderá ser acusado de nada ao falar que "a Espanha é racista". Eu já vivi lá, eu gosto da Espanha e não cheguei a ter qualquer problema grave por ser estrangeiro. Mas não sou negro. Talvez a ficha esteja caindo para mim também, assim como para Ancelotti.

O juiz da partida de Valência simplesmente não relatou na ata da partida nenhum dos incidentes racistas. É um negócio inacreditável.

Ao mesmo tempo, fico espantado com a ausência de manifestações de outros jogadores negros, de outros clubes. E também com a passividade do Real Madrid, que, se não quisesse fazer nada por não ver nada tão errado, pelo menos deveria agir por estar a ponto de perder sua grande estrela. Seria bastante aceitável que Vinícius decidisse sair fora. Existe racismo na Inglaterra? Sem dúvida. Talvez tanto quanto na Espanha. Mas pelo menos ele é punido e combatido de forma mais veemente.

Precisamos lembrar que não houve casos de racismo, pelo menos não que tenham virado notícia, em relação a Vinícius desde a chegada dele ao país. A temporada começou com um debate sobre as dancinhas de Vini Jr ao comemorar gols. Este debate é totalmente racista? Talvez. Pode ser também xenófobo. Não sei dizer, sinceramente. Mas ele se transformou em um comentário para lá de racista em um programa de TV da Espanha, o detestável "Chiringuito".

Como melhor jogador do Real Madrid e "bola da vez", Vinícius começou a apanhar e ser provocado em campo. A polêmica fica mais forte após as 10 faltas sofridas em uma partida em Vallecas contra o Rayo, depois vieram Cádiz, Villarreal e, talvez o pior, o jogo de Mallorca. Sempre fora de casa, sempre com a conivência dos árbitros.

O debate virou, então, "futebolístico", como se o racismo não estivesse lá. Vinícius passou a ser pressionado pelas arquibancadas e rivais, como muitos já foram em muitos lugares do mundo, por serem o melhor do outro time. E passou a responder em campo. Com gols e assistências? Sim, mas não só. Passou a responder com indignação. O que queria o Real Madrid? Possivelmente, que Vini mantivesse a cabeça fria. Não foi o caso.

Não dá para responsabilizar a vítima. OK, talvez ele pudesse ter agido de outra forma e deixado para os árbitros a decisão de coibir o jogo sujo que era feito contra ele. Mas é fácil falar sem viver o que ele viveu e vive. E aí vieram a decisão judicial passando pano para racistas, o silêncio de La Liga, da imprensa espanhola, da sociedade espanhola.

Vinícius Júnior é a maior vítima de racismo que o futebol já testemunhou. Nunca houve nada parecido com o que aconteceu nesta temporada na Espanha. Uma vergonha para o país e sua sociedade.