Julio Gomes

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Com a mão no Brasileiro, Botafogo não pode ser distraído pela Sul-Americana

O número é 75. Sempre que um time chegou a pelo menos 75 pontos no Brasileiro de pontos corridos de 20 times (em vigência desde 2006), foi campeão. O Botafogo, atual líder, tem 39. Ou seja, já superou mais da metade do objetivo e ainda faltam quatro jogos para chegarmos à metade do campeonato - sendo que, dos jogos restantes ao líder, dois são contra alguns dos piores times da competição, Santos e Coritiba.

Geralmente o campeão roda na casa de 80 pontos, o vice na casa de 70 e poucos. Claro que teve de tudo nestes anos e a amostragem é até pequena, se pensarmos que os europeus disputam este tipo de campeonato há muitas décadas. Mas é um parâmetro. E, pelo parâmetro brasileiro, a realidade é que o Botafogo está com a mão na taça. Se fizer a mesma coisa que fez até agora em termos de pontos, e ainda com oito jogos a mais para jogar, fatalmente será campeão.

No meio deste contexto, estão a troca de treinador e a Copa Sul-Americana. A troca de treinador é um risco alheio à vontade da diretoria. Luis Castro foi para a Arábia Saudita e o clube não tinha controle sobre isso. Caçapa veio fazer um "freelancer" e foi muito bem. Seria melhor que ficasse, já que é brasileiro, fala o idioma da boleirada e deu certo de cara. Mas o clube decidiu insistir em Bruno Lage, apesar de o contrato ser curto, só até o fim do ano. Lage parece ter um perfil parecido ao de Castro, mas pessoas não são iguais - nem gêmeos são. Sempre pode dar errado. A tendência, no entanto, é que Bruno Lage não queira fazer um trabalho autoral e seja ajudado, pelo clube e mesmo jogadores, a compreender o futebol brasileiro.

Há três grandes peculiaridades que permeiam o futebol brasileiro. Como a origem das forças e da tradição é regional, há muitos clubes grandes, populares e campeões no país - e cobranças de acordo; as distâncias são grandes; e o calendário é insano. A vantagem de Lage pegar o Botafogo onde está é que o calendário não é mais um fator. Aquele primeiro semestre maluco, com disputa de estadual e todas as competições simultâneas, já foi. Acabou. Sobra agora tempo para preparar o time e preparar para cada jogo do Brasileirão. De agora até a última rodada, temos pela frente longos quatro meses e meio.

A única coisa ocorrendo em paralelo é a Sul-Americana para o Botafogo. Que não destrói o calendário do clube - seriam apenas sete jogos até o título. Seis meios de semana entre rodadas do Brasileiro. Não destrói, daria para levar em paralelo. Mas precisa? Não, não precisa. O projeto da SAF do Botafogo, um clube enorme da nossa história, mas rebaixado três vezes nos pontos corridos, buscava conceitos, estabilidade e um crescimento paulatino. Como o futebol brasileiro é muito doido, mesmo no meio do processo de espanholização o Botafogo se encontra diante de uma possibilidade inesperada: ser campeão brasileiro.

No meu ponto de vista, o Botafogo ser campeão da maratona dos pontos corridos é algo bem parecido com o Leicester ter sido campeão da Premier League. Não estou comparando as histórias de Botafogo e Leicester, mas o contexto, enfrentando adversários mais poderosos financeiramente.

Ganhar o Brasileiro é muito mais difícil do que ganhar a Libertadores e a Copa do Brasil. Os torneios de mata-mata são mais aleatórios pela própria natureza. Não são fáceis. São torneios mais ingratos com times melhores e bem montados e mais benevolentes com times menos sólidos. Para o Botafogo, em um prazo curto de, digamos, três anos, seria muito mais imaginável beliscar uma Copa do Brasil ou se meter em fases agudas da Libertadores do que ganhar a maratona dos pontos corridos.

Só que aqui estamos, diante desta maravilhosa oportunidade. E não tem sentido algum correr qualquer risco de arruiná-la. Já é risco suficiente ter precisado trocar de técnico. Não há razão para colocar qualquer titular na Sul-Americana - nem mesmo os que foram utilizados ontem, em um confronto definido contra o Patronato e debaixo de chuva, deveriam ter entrado em campo. Eu vi gente criticando a utilização de reservas e ouvi, à distância, pela TV, algum ruído por parte das arquibancadas pelo empate com o fraco time argentino.

Contra o Guaraní do Paraguai nas oitavas, contra o Defensa y Justicia ou o Emelec nas quartas e mesmo que venha um clássico contra o São Paulo na semi, o Botafogo precisa colocar na Sul-Americana um time formado por Gatito Fernández e mais 10. E, desses 10, ninguém que tenha jogado a última ou vá jogar a próxima partida do Brasileirão.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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