Julio Gomes

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Está na hora de a CBF levar a sério o debate dos gramados sintéticos

Como tudo no Brasil, principalmente quando se trata de futebol, um debate importantíssimo está interditado por causa do clubismo. É o necessário e imperativo debate sobre os gramados sintéticos espalhados por aí. Por enquanto, na Série A, são três: o do Allianz Parque, que pertence ao Palmeiras e tem contrato de utilização com a construtora WTorre, o do Nilton Santos, estádio do Botafogo, e da Arena da Baixada, a precursora, do Athletico-PR.

O Palmeiras atuou, na prática, durante três anos e meio no seu sintético — inaugurado pouco antes da pausa do futebol por causa da covid, em fevereiro de 2020. Vai ganhar o segundo de quatro Brasileiros disputados no sintético. O Botafogo estreou neste ano o gramado do Engenhão e já conseguiu vaga na Libertadores — vai disputá-la pela primeira vez em sete anos —, além de quase ter sido campeão brasileiro, com grande campanha no "tapetinho". O Athletico joga em um gramado artificial há pouco menos de oito anos e, no período, conseguiu seguidas participações na Libertadores, chegou a uma final do torneio e ainda ganhou Sul-Americana e Copa do Brasil.

O mundo real do futebol, desprovido de clubismo, é unânime sobre a vantagem técnica que representa para o time mandante jogar em um gramado assim.

É claro que o campo não ganha jogo. São jogadores que ganham jogo. Jogadores, técnicos, organização, torcida, enfim, tem um monte de fatores. O gramado não deveria ser um deles. Gramado, bola, iluminação, gandulas, árbitros, uniformes, há um grupo de fatores que deveriam ser simplesmente idênticos dentro de um jogo de futebol. São itens ou pessoas que não podem ajudar um ou outro lado.

Um fator importantíssimo que não tem sido levado em conta pela CBF — que simplesmente vai deixando as coisas acontecerem de forma unilateral e descontrolada — é a opinião dos jogadores de futebol.

Donos de estádio não têm a menor preocupação com a qualidade de jogo. O que importa é a grana. O sintético é mais barato, não requer manutenção constante e permite a realização de shows de forma prática. É com isso que se importam. Nenhum desses caras foi perguntar para jogadores, técnicos, preparadores físicos o que eles efetivamente pensam sobre o tema.

Façam uma pesquisa (secreta, lógico) com jogadores de Palmeiras, Botafogo e Athletico e o resultado será surpreendente. Tem de ser secreta porque ninguém vai, publicamente, criticar os patrões.

Há estudos que mostram que, no gramado sintético, a incidência de lesões é maior do que no gramado natural. Há outros estudos que desmentem tal dado e dizem que dá na mesma. Há um estudo bem interessante, também, que mostra que os jogadores se sentem inseguros jogando em grama artificial. Deste dado, a leitura possível pode ser resumida a três palavrinhas: "medo de lesão".

A Fifa permite o gramado sintético, mas não usa nas competições dela. Na Europa, não vemos gramados artificiais nos campeonatos mais importantes — e a Holanda acaba de proibi-lo completamente. No caso holandês, foi levantada a preocupação até mesmo de riscos conectando o material utilizado nos gramados artificiais com a incidência de câncer.

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Nos Estados Unidos, a Associação de Jogadores da NFL pediu neste ano o fim de jogos em gramados artificiais — e olha que no futebol americano lá se vão décadas de partidas sendo disputadas neste tipo de campo. No futebol que conhecemos, o soccer, a discussão ficou mais forte também porque Messi, que chegou para ser a estrela da MLS, não vai atuar em gramados artificiais. A preocupação, neste caso, é com lesões nos membros inferiores. Jogadores de futebol e futebol americano reclamam de a perna ficar mais "presa" neste tipo de superfície, o que facilita a ocorrência de entorses e rupturas.

O Palmeiras vai ser campeão brasileiro por causa do sintético? Não sei. Eu diria até que não. Que há coisas mais importantes. Mas é fato que este debate volta com tudo — e tem de voltar mesmo — quando um técnico de seleção brasileira, como Fernando Diniz, fala abertamente que preferiu usar titulares contra o Santos, e não contra o Palmeiras, nas rodadas finais porque os atletas não gostam deste tipo de gramado. O Flu está se preparando para o Mundial de Clubes e fez uma programação de acordo com seus interesses. Entre tais interesses, estava poupar os titulares de jogar neste tipo de gramado. E isso não é irrelevante.

O Palmeiras teria perdido do Fluminense titular? Não sabemos, nunca saberemos. Lá atrás, o Botafogo não pôde jogar no sintético contra o Grêmio e, somente por causa disso, Luís Suárez entrou em campo — porque ele se recusa a jogar no gramado artificial. Suárez fez três gols naquela partida, disputada em São Januário. Em maio, Suárez foi "poupado" quando o Palmeiras recebeu o Grêmio no Allianz - venceria por 4 a 1 contra um time sem seu melhor jogador.

O Atlético-MG promete colocar sintético na Arena MRV no ano que vem. Vemos muitos gramados naturais mal tratados Brasil afora e fica até a dúvida do tamanho do esforço e se é feito o investimento necessário para que eles fiquem perfeitos. Não vemos problemas, por exemplo, no Morumbi, Itaquera (híbrido) ou Vila Belmiro. A impressão que temos é que, logo logo, o Brasil chegará a quase 100% de gramados artificiais na Série A. E a "desculpa" será falta de sol. No Brasil.

Independente de qual a conclusão final, o fato é que a CBF precisa, sim, abrir uma discussão séria, ampla e profunda sobre o tema. Ouvir especialistas, observar os estudos e conclusões de outros países e, o principal, escutar e levar fortemente em conta a vontade dos jogadores. São eles que fazem o futebol. É claro que o fator econômico é relevante, mas nunca pode ser comparado ao fator humano. Está na hora de deixar o clubismo lá longe e debater este tema com profissionalismo.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que foi informado no texto, a WTorre não é dona do Allianz Parque, e sim uma parceria pela utilização até 2044 por ter feto a modernização do estádio. O erro foi corrigido

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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