Julio Gomes

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O dilema de um pai dilacerado: devo proteger meus filhos da Portuguesa?

"Vamos, Portuguesa.... Tua História É Tão Bonita... Por Você Eu Sou Capaaaaz... De Dar Minha Vida...."

O canto do pequeno, 5 anos, na sala de casa, já me deixou sem chão. Como o moleque sabia a música? Levei duas vezes ao Canindé neste ano. A musiquinha é linda, mas a Leões da Fabulosa canta esporadicamente durante os jogos. Eu não sei de cor. Como ele sabe? De onde vem isso?

É surpreendente o que uma criança de 5 anos pode absorver em um ambiente como o do futebol. O fim da noite de domingo foi triste. Apesar de tantas derrotas, tantas decepções com a Portuguesa ao longo da vida, essa foi realmente das mais tristes.

Uma das primeiras lembranças que tenho de futebol é de 1985. Eu tinha, portanto, 6 anos. O Guarani ganhou do São Paulo, acho que o Neto fez um gol de bicicleta naquele jogo, mas não vou pesquisar agora. O fato é que aquele resultado já dava à Portuguesa o título do primeiro turno. Eu morava na Vila Mariana, o apartamento tinha um sala de TV, com um sofá meio bege, com umas frutinhas ou sei lá o que marrons estampadas nele. Era um sofá acima do outro, bastava puxar um para baixo que virava uma camona no chão. Lembro que eu, meu pai e meu irmão Flavio, a porção lusitana da família - meus outros irmãos não são muito apegados a futebol - pulamos no sofá e batucamos em latinhas, não sei se de cerveja ou leite condensado. Uma alegria imensa.

No dia seguinte - provavelmente -, fui ao Canindé. O jogo contra a Ponte Preta era só para cumprir tabela. Foram mais de 20 mil pessoas. Foi 2 a 1. Eu me lembro de ter ficado na parte alta da arquibancada, atrás do gol da Marginal - onde hoje ficam os torcedores visitantes no Canindé. E um elefante entrou em campo. Eu lembro disso. Alguma apresentação de circo, se não me falha a memória. E lembro da fumaça verde e vermelha. Das cores. Aquilo era lindo de morrer.

As vitórias fazem, sim, um torcedor. Não é à toa que os times grandes e vencedores do Brasil têm cada vez mais torcida. As vitórias sempre ajudam. Mas não tem nada como a derrota para formar caráter, para colocar à prova o que uma pessoa realmente sente.

Queríamos estar na Vila Belmiro, mas não consegui ingressos. Vivemos o jogo todo como se estivéssemos no estádio. Cantamos as músicas que ouvíamos a torcida cantar pela TV. Xinguei, esbravejei, desacreditei das chances perdidas. Aplaudi o Claus. Expliquei para as crianças que, se os árbitros tivessem apitado jogos da Lusa sempre assim, teríamos um punhado de títulos a mais. Me entristeci com a falta de ambição ao ficar com um a mais em campo. A falta de ambição que não é só marca de um clube, mas de uma comunidade toda.

Quando a Portuguesa perdeu o segundo pênalti contra o Santos, eu já comecei a chorar. Tentei segurar, mas não consegui. Nem era mais pelo time àquela altura. E definitivamente não era por mim. Era por eles. Tudo o que eu mais queria era ver minhas três crianças felizes. Eu queria vê-los pular, queria vê-los cantar, queria vê-los batucar, como o menino de 6 anos tinha feito naquele apartamento da rua Loefgren, quase 40 anos atrás.

Quando eu comecei a chorar, gerei um efeito cascata de emoção e tristeza. Eles também queriam aquilo por outro, que não eram eles. Queriam por mim. Nos abraçamos os quatro, em meio às lágrimas, com a maior enrolada na bandeira branca enorme que o tio Flavio comprou para ela, que eu não lembrava que tínhamos e achei no fundo de um baú que pouco abro em casa. A do meio enrolada na bandeira que eu comprei na campanha da Série B de 2011 e que ficou, sei lá, um ano pendurada no terraço. Meu prédio é virado para um parque. Não dá para ver nada pendurado em um terraço. Não tem ninguém para ver. Mas ela ficou lá em 2012, por um ano inteiro. Até que um dia a guardei. E nunca mais peguei. Acho que vou pendurar de novo. Ninguém vai ver. Não me importa.

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Estavam todos cansados. Foram dormir umas duas horas mais tarde do que o habitual. Quando cheguei no quarto dos menores, um estava chorando na cama de cima, sentado, abraçado a uma almofada. A outra estava sentada do lado oposto da cama de baixo. Olhar vazio. Como se fosse a primeira grande perda da vida.

Me senti mal. Abracei forte cada um. Disse que nós, torcedores da Lusa, perdemos muito mais do que ganhamos. Que é assim, mas é o que somos e podemos nos orgulhar. Mas que eles não precisavam se preocupar e nem torcer se não quisessem. "Torcer pela Lusa é muito difícil. Eu já sofri muito. Não quero ver vocês tristes assim". A pequena me abraçou ainda mais forte. "A gente torce para a Lusa, papai". E choramos mais um pouco.

Derrotas.

Derrotas afastam os mais acomodados. Derrotas empurram adiante os resilientes. Tem que ter personalidade. Tem que aguentar o tranco. Eu acho que nem amo mais o futebol como já amei. É óbvio que o futebol é parte integral da minha vida. É meu trabalho, afinal. Há muitos anos, virou só trabalho. E, de repente, você tem um "déjà vu". Os tempos que não voltam. Da minha infância, da minha adolescência. De quando o futebol não era parte, era o todo. Era tudo. Meu time era bom. Perdia, mas era bom pra cacete.

É inconcebível que meus filhos não torçam pela Portuguesa. Mas ao mesmo tempo eu não quero vê-los como vi nessa noite de domingo. É o dilema de um pai. Até que nível devo protegê-los do futebol? Protegê-los da Portuguesa?

Uma coisa é torcer por um time pequeno, que sempre foi pequeno, sempre será e que nunca deixará de existir, porque possivelmente represente uma cidade, um local. Outra coisa é torcer por quem já foi grande, por quem competia, e hoje é um fantasma. Os malditos patrícios seguem lá no Canindé, abraçados ao cadáver. Possivelmente meu clube será o último a virar SAF. "Que vendam a Portuguesa e saiam de lá" foi uma frase que eu disse em alguma palestra uns 5 ou 6 anos atrás, no Museu do Futebol. Sequer havia o modelo de SAF. Hoje há, mas eles querem arrumar algum investidor maluco que compre a dívida da Portuguesa e os deixem lá, mandando e mutilando o cadáver.

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Não tem nada como torcer pela Portuguesa. Todo torcedor acha que é único. Mas não pode haver melancolia maior do que essa. Para todos, há um dia após o outro. Para nós, não há dia seguinte. E eu não sei se quero isso para essas crianças. Ao mesmo tempo, como não sentir o que sinto? Como não chorar abraçado à bandeira? "Vamos, Portuguesa.... Tua História É Tão Bonita... Por Você Eu Sou Capaaaaz... De Dar Minha Vida...."

Como não ser o que sou?

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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