Julio Gomes

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ReportagemEsporte

Rivalidade Senna-Prost marcou época, mas Schumacher virou inimigo do país

Na história da Fórmula 1, não faltaram, faltam ou faltarão grandes rivalidades. É da natureza do esporte e da competição a motor - o problema mesmo é quando não há rivalidade alguma, como no atual e nos últimos anos. Na virada dos anos 80 para 90, Ayrton Senna e Alain Prost protagonizaram algumas das maiores disputas da história do esporte - de qualquer esporte.

Dois fatores talvez tenham sido os principais para que a briga Senna-Prost fosse tão atraente. O primeiro, o fato de correrem pela mesma equipe, a McLaren, que teve naqueles anos o grande carro da categoria. O segundo fator era a gigantesca diferença de estilos.

Senna foi o piloto mais rápido da história a uma volta. Os recordes podem até ficar pelo caminho, mas nunca ninguém fará o que Senna fazia nas classificações. Pode não ter sido o melhor ou mais completo piloto da história, mas certamente foi o mais rápido e é assim reconhecido por quem corria na época e por quem veio depois. Prost, por outro lado, ganhou um apelido, eternizado na voz de Galvão Bueno, que resumia perfeitamente suas habilidades: "Professor". O francês era, além de rápido, um brilhante estrategista, conhecedor do equipamento e das pistas, calculava tudo friamente e executava com perfeição nas corridas.

Arrojo x inteligência. Os dois melhores pilotos no melhor carro. Não dava para pedir mais.

Nos dois anos em que correram juntos na McLaren - um título para cada um - Senna destruiu Prost em pole positions (26 a 4) e ganhou mais corridas (14 a 11). Mas Prost somou mais pontos, subiu mais vezes no pódio e fez mais voltas rápidas. No período em que correram juntos na F1, de 84 a 93, Prost ganhou quatro títulos, contra três de Senna, e venceu 42 provas, contra 41 do brasileiro. Um equilíbrio impressionante e o protagonismo arrebatado na categoria, mesmo em uma época em que pilotos extraordinários corriam, como Lauda, Piquet ou Mansell.

Prost reclamava que os japoneses da Honda, a fornecedora de motores da McLaren, favoreciam Senna. Senna, por sua vez, acreditava e propagava a grande teoria conspiratória. O "sistema" da categoria, comandado pelo presidente da FIA, o francês Jean-Marie Balestre, estaria a serviço do rival dele.

Não dá para falar da rivalidade entre os dois sem lembrar as cenas mais marcantes: ambas em Suzuka, Japão, uma em 1989, outra em 1990.

Depois de ficar com o título de 88, seu primeiro, Senna precisava chegar à frente de Prost para se manter com vida na disputa em 89. O brasileiro largou na pole, mas perdeu a posição para Prost, que abriu vantagem. No entanto, Senna colou no francês e, a seis voltas do final, tentou a ultrapassagem na lenta e apertada chicane de Suzuka. Prost não aliviou, e os dois se chocaram. O francês saiu do carro e abandonou a corrida, mas Senna acenou para que os fiscais empurrassem seu carro. Ele literalmente fez a McLaren pegar no tranco, voltou à pista, trocou o bico danificado, foi buscar a liderança, que estava com Alessandro Nannini, da Benetton, e ganhou a prova de forma épica.

Senna foi desclassificado por cortar a chicane após o empurrão dos fiscais. É lógico que, no Brasil, principalmente na TV, aquilo tudo foi tratado como uma grande conspiração francesa para favorecer Prost. Era um roubo.

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No ano seguinte, Senna deu o troco. Prost já estava na Ferrari, chegaram a Suzuka novamente disputando o título, mas em posições invertidas. Logo após a largada, Senna posicionou a McLaren de forma que o acidente entre eles fosse inevitável. A batida deu o título a Senna e gerou revolta por parte de Prost, que diria mais tarde ter pensado em se aposentar naquele mesmo dia.

Depois disso tudo, a rivalidade deu uma esfriada, a Williams passou a ser a equipe dominante da F1, Prost tirou um ano sabático para voltar em 93 e ser campeão com o pé nas costas dirigindo justamente a Williams. Naquele ano, sob um temporal em Interlagos, Prost perdeu o controle do carro, bateu, e Senna venceu o GP Brasil de forma heróica. Foi mais do que uma vitória. Os brasileiros que estavam nas arquibancadas de Interlagos se sentiram vingados. Todos sabiam que o francês seria tetracampeão, mas aquela vitória era de "Ayrton Senna do Brasil".

Senna quis fazer o mesmo em 94, foi para a Williams, mas morreu em San Marino. Àquela altura, os dois já haviam se reaproximado. Tanto que Prost foi ao enterro de Senna, carregou o caixão e não houve qualquer tipo de represália ao francês.

Prost era tratado apenas como um ex-adversário. O inimigo já era outro.

Um jovem alemão chamado Michael Schumacher, arrojado e rápido como Senna, inteligente e estrategista como Prost, chegou para incomodar no que seriam, pelo menos na teoria, anos de domínio do veterano brasileiro. A rivalidade entre Schumacher e Senna foi construída por embates na pista e pelas acusações de que a Benetton, equipe do alemão, estaria jogando sujo, fora do regulamento, na temporada 94. Isso teria gerado o desespero de Senna e da Williams e, na tentativa de alcançar Schumacher, veio o acidente fatal.

Ou seja, o alemão "matou" Senna. E Prost, claro, nunca havia chegado tão longe na rivalidade entre eles.

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Senna havia se tornado o personagem mais importante do país, em épocas de vacas magras da seleção brasileira de futebol. A personalidade de Senna e os discursos, na derrota ou na vitória, casavam perfeitamente com vários aspectos da nossa sociedade. Ele se colocava como vítima, um piloto "contra tudo e contra todos", um patriota, um brasileirinho lutando naquele mundão cheio de ingleses, franceses e alemães. O "vencer a qualquer custo", uma máxima de 10 entre 10 grandes pilotos da história da F1, também é algo que casa muito bem com o modo de pensar do brasileiro.

Somando tudo isso a uma narração muito boa - mas emocionada e tendenciosa - do amigo pessoal Galvão Bueno, a voz do esporte nacional ao longo de mais de três décadas, Senna foi alçado a um nível de idolatria que beirava o fanatismo cego. Tudo era grandioso e épico. Neste contexto, sempre é necessário encontrar e pontuar os inimigos.

As regras da F1 pouco importavam. Senna tinha sido "roubado" por Prost e Balestre em 89, por isso tinha o direito de causar o acidente de 90. Era assim que o país pensava. Prost virou um vilão nacional. E isso só seria superado quando Schumacher, que foi tratado como um verdadeiro assassino por aqui, virou o rival de Senna. O fato é que fomos privados desta, que talvez tivesse sido uma rivalidade ainda maior do que a que proporcionaram Prost e Senna, devido à tragédia de Ímola, que nesta quarta completará 30 anos.

Como acabou não acontecendo e com todo o respeito pelos que vieram depois, os embates entre Schumacher e Hakkinen e Alonso, depois entre Alonso e Raikkonen e Hamilton, depois Hamilton contra Vettel, Rosberg ou Verstappen, é justo dizer que a rivalidade entre Senna e Prost foi a maior da história do automobilismo.

Prost tem hoje 69 anos, chegou a ser dono de equipe na F1 e trabalhou com a Renault - que viraria a atual Alpine - até o fim de 2021. O francês falou que "uma parte dele morreu junto com Senna", em uma entrevista anos depois do acidente de San Marino. Já Michael Schumacher sofreu um acidente enquanto esquiava dez anos atrás e, desde então, está em coma, sobrevivendo sem que mais informações sejam divulgadas pela família.

Hoje, é possível afirmar que a maioria dos brasileiros que gostam de Fórmula 1 aprenderam a respeitar e admirar as carreiras de Prost e Schumacher, os antigos vilões. E Senna, claro, continua sendo uma espécie de Deus.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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