Após quase meio século, Porto muda de mãos e dá o poder a 'nerd precoce'
A imagem foi bonita. No tradicional (e desconhecido de quase todos fora de Portugal) estádio do Jamor, escondido e separado de Lisboa pela bela floresta do Monsanto, o Porto conquistou a Taça de Portugal pela 20ª vez. Ganhou a final contra o Sporting na prorrogação. A imagem bonita a que me refiro é a dos dois presidentes do Porto, lado a lado na tribuna.
André Villas-Boas levantou a taça, oficialmente a primeira dele. Mas, apesar de ter vencido as eleições no último dia 7, só nesta semana, a partir de amanhã, que efetivamente assumirá o cargo. Sai de cena Jorge Nuno Pinto da Costa, o mais longevo e vitorioso dirigente do futebol europeu. O homem de 86 anos de idade, quase metade (42) vividos como presidente do Futebol Clube do Porto, chorou no Jamor e ainda disse que "tem muito o que fazer" em seu último dia de trabalho.
Isso mesmo, foram mais de quatro décadas no comando do Porto, escapando de acusações e quase nunca com uma oposição forte. Afinal, o Porto se transformou sob sua gestão, que atravessou e se adaptou às tantas mudanças pelas quais passaram Portugal, o mundo e próprio futebol.
O retrospecto chega a ser bizarro. São 69 troféus, o que colocou o Porto em pé de igualdade histórica com o Benfica na disputa pelos domínios de Portugal. Na "era Pinto da Costa", o Porto ganhou duas vezes a Copa da Europa (1987 e 2004) e foi duas vezes campeão do mundo. Domesticamente, sagrou-se campeão português 23 vezes e, da Taça da Portugal, 16 com a de ontem.
Classificação e jogos
André Villas-Boas tinha apenas quatro anos de idade quando Pinto da Costa tornou-se presidente do Porto. Parte de uma família rica da cidade, Villas-Boas morava no mesmo prédio do então técnico do Porto, o inglês Bobby Robson, que havia sido técnico da Inglaterra ao longo dos anos 80 e em duas Copas do Mundo (86 e 90). O jovem André era um "nerd", que passava horas e horas jogando o famoso jogo "Football Manager" no computador. Quando topou com Robson no elevador do prédio, o desafiou sobre a escalação de um jogador. À essa altura, Robson já havia passado pelo Sporting, estava no Porto e tinha como auxiliar um também jovem José Mourinho.
O treinador inglês lançou um desafio para o vizinho abusado, e Villas-Boas fez um relatório tão bom sobre o jogo do Porto naquela semana que Robson o levou para trabalhar no clube. Precocemente e sem jogar bola, ele conseguiu os diplomas necessários para trabalhar como técnico de futebol. Com 21 anos, virou auxiliar de Mourinho no Porto e seguiu com ele no Chelsea e na Inter de Milão, anos de grande sucesso de Mou - na equipe técnica, Villas-Boas era fundamental quando se tratava de analisar adversários e jogadores que poderiam ser contratados.
Em 2009, aos 32 anos, iniciou o voo solo. Em 2010, foi contratado por Pinto da Costa para ser treinador principal do Porto e conquistou praticamente tudo: Campeonato Português, Taça de Portugal e Europa League. O desempenho fez o Chelsea pagar 15 milhões de euros ao Porto para tê-lo como técnico. O sucesso imediato no Porto não se replicou no Chelsea e no Tottenham, mas depois ele seria campeão no Zenit, da Rússia. O último clube de Villas-Boas foi o Olympique de Marselha e, ao sair, em 2021, ele anunciou precocemente (como sempre) a aposentadoria.
O plano agora era virar dirigente. Ou melhor, presidente do Porto. E deu certo. Com 46 anos, um a mais do que tinha Pinto da Costa em 1982, quando assumiu o clube, André Villas-Boas vai dirigir o Porto. Na campanha, ele prometeu corrigir a rota de "uma gestão sem rumo" e "maior rigor na gestão financeira, racionalização de custos, renegociação da dívida e iniciativas que aumentem valorizem a marca FC Porto".
O clube foi um dos maiores vendedores do futebol europeu nestas quatro décadas, estima-se que tenha feito 3 bilhões de euros em negociações de jogadores. Muita gente foi contratada para jogar no Porto, provenientes do Brasil, África e América do Sul, para depois serem vendidos por valores muito maiores.
A passagem de bastão entre os presidentes foi feita da melhor maneira possível, com um troféu - mais um! - em mãos. Resta saber que Porto será este na era da modernidade e se André Villas-Boas conseguirá dar continuidade ao que inegavelmente deu certo.
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