Julio Gomes

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Vini Jr do Real estreou na seleção, mas 'Neymarizar' só irá atrapalhá-lo

O jogo de Vinícius Júnior contra o Paraguai, ontem, foi destruidor. Mostrou bem que os técnicos podem pedir isso ou aquilo, mas, no fim das contas, é o jogador de futebol quem tem que tomar a atitude no campo. Vini Jr nunca havia sido, com Tite ou Diniz ou Dorival, o Vini Jr do Real Madrid. O jogador atrevido, sangue nos olhos, que vai para cima dos adversários, que entra na área, que quebra linhas, que decide jogos. E isso cabe a ele fazer, não ao técnico.

Não houve nenhuma grande mudança tática na seleção brasileira para "permitir" a Vinícius arrebentar. Foi ele quem entrou a fim de arrebentar. E arrebentou. É um jogador de grande talento, velocidade, coragem e é por isso que é favorito (ou um dos favoritos) a ganhar uma Bola de Ouro que jogador brasileiro algum ganhou em quase duas décadas.

Agora, vimos em Las Vegas o pacote inteiro de Vini Jr do Real Madrid - a qualidade com a bola e a provocação em campo que gera problemas só para ele, não para os outros.

Nos acostumamos a jogar na conta do racismo qualquer bate boca ou confusão em que Vini esteja metido na Espanha. Virou uma coisa diplomática, mais do Ministério de Relações Exteriores do que do Esporte. E não quero aqui, de forma alguma, minimizar ou passar pano. As agressões que ele sofreu e sofre são gravíssimas, pesadas e ele precisa de todo o apoio - incondicional - do mundo do futebol, da sociedade espanhola e, óbvio, da brasileira.

O problema é diferenciar: quando estamos falando de agressões racistas ou quando o problema é um problema "de campo"? Tretas no campo de futebol sempre aconteceram e sempre acontecerão. Se a treta for originada ou se transformar em racismo, deixa de ser campo e passa a ser caso de polícia. Mas não dá para considerar que todo jogador de futebol que dê um empurrão ou grite na cara de Vini Jr é um racista.

Contra o Paraguai, ele deu uma exagerada nas tentativas de dribles. Eu respeito quem acha que pode tudo no campo, pode tentar driblar, humilhar, está tudo bem. Mas todo ato em campo tem consequências. Há aquela espécie de código de ética do campo, os jogadores sabem bem diferenciar um drible de jogo, para levar vantagem esportiva em um lance, de um drible simplesmente para humilhar. Quando entendem que um jogador está tentando simplesmente humilhá-lo, partem para a ignorância. E aí cabe ao juiz tomar as decisões.

Neymar é odiado pelos adversários. Odiado porque se notabilizou por estar o tempo inteiro tentando humilhar os rivais, não só com dribles, mas com palavras. Nunca vimos Messi ou Cristiano Ronaldo, para falar dois da mesma geração, apanhando como Neymar apanhou. Porque eles sempre mostraram mais respeito pelo jogo e pelos adversários. Neymar foi quem sofreu as consequências do que fez e faz. Apanhou, foi lesionado por rivais, ganhou fama de "cai cai". É respeitado pela bola e pelo talento, mas não é respeitado como esportista.

Qual o caminho que Vini Jr quer percorrer? Se for o de Neymar, péssima notícia. Para ele e para a seleção brasileira. Tomar cartão amarelo por peitar o juiz aos 40 do segundo tempo, com a seleção brasileira ganhando por 4 a 1, me parece uma incrível falta de inteligência. Sair de campo reclamando de um complô imaginário da Conmebol para com o futebol brasileiro é uma bobagem sem tamanho. Nos dias em que resolve jogar como o Vini do Real Madrid, que ontem vimos pela primeira vez com a camisa amarela, o menino parece ficar simplesmente pilhado demais em campo.

É uma pilha que faz jogar e que faz também tretar o tempo todo? Uma coisa necessariamente está conectada com a outra? Espero que não, torço para que não. E vejo que o Real Madrid e Carlo Ancelotti estão tentando fazer com que o garoto consiga manter o foco e o sangue nos olhos somente para o jogo, não para o pacote completo. Dorival Jr terá o mesmo desafio. E digo mais: o entorno dele, empresários, "parças", familiares, têm todos o mesmo desafio. Amigo é quem mostrar para ele que o futebol não precisa vir acompanhado de toda essa carga de agressividade em relação a rivais e árbitros, e não quem ficar dando razão para todas as suas atitudes.

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Ontem, vimos que nem sempre o racismo está em jogo. Existem atitudes de Vinícius que simplesmente irritam os adversários. Atitudes que violam o tal código de ética. Ele precisa ter mais inteligência emocional em campo, compreender melhor o momento do drible de jogo, evitar a humilhação desnecessária. Resumindo: não "Neymarizar". Porque isso fará com ele se transforme em alvo constante dos adversários e dos árbitros, fará com que haja uma má vontade constante em relação a ele. Uma má vontade que lhe privará de prêmios. Uma má vontade que, inclusive, turvará um tema tão importante e crucial como a luta contra o racismo. O racista sempre poderá se esconder entre os que não gostam das atitudes dele em campo.

No campo, se ele jogar bola, como jogou ontem, será sempre insuperável. Não é necessário brigar, se envolver em confusões, desafiar os árbitros, criar inimigos imaginários. O mundo não se resume a um "Vini Jr contra todos". Se Neymarizar, será o segundo desperdício do futebol brasileiro neste século. Se controlar melhor as emoções, será unanimidade. Porque craque, como vimos ontem e alguns ainda teimam em duvidar, ele é.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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