Julio Gomes

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Em 10 anos, futebol de clubes melhorou no Brasil, mas seleção ficou largada

O 7 a 1 não foi apenas uma humilhação. Foi um momento triste da seleção brasileira, mas um momento importante para cair uma ficha necessária. O brasileiro entendeu que não era a última bolacha do pacote. Isso serve para jogadores, ex-jogadores, cronistas e para torcedores, que sempre trataram cada derrota como fim do mundo e como culpa exclusiva do Brasil, nunca o adversário teve alguma a coisa a ver com aquilo.

Eu sempre fui um aficcionado do futebol europeu, desde muito criança, final dos anos 80. Para mim, foi muito claro o movimento que transformou o futebol de lá em algo muito melhor do que jogávamos aqui. Foi ao longo dos anos 90, com a consolidação total no início do século 21. Nessa época, a seleção brasileira era, de fato, a mais forte do mundo. Os times daqui também eram. Os 24 anos sem Copas foram um total acidente de percurso e o resgate, com o tetra, apenas colocou as coisas em seu devido lugar.

Mas precisamos entender o contexto geracional. Que jogadores brasileiros fossem os melhores do mundo - ou vários estivessem entre os melhores - ainda era consequência de um futebol, de fato, superior. Os técnicos brasileiros estavam espalhados pelos quatro cantos para "levar" o futebol e o desenvolvimento de jogadores na nossa base, mesmo que sem muito método, funcionava. Até porque ninguém tinha método, e nós tínhamos o talento e a matéria-prima em quantidade. A "arma" europeia para nos contrapor era o jogo físico.

Aquela segunda metade dos anos 90, com a Lei Bosman "soltando" jogadores e o Mercado Comum Europeu fazendo com que quase ninguém mais fosse estrangeiro, marcou a ida desenfreada de jogadores daqui para lá. E isso acabou sendo péssimo para a seleção brasileira por vários motivos. Um deles: nossos jogadores contribuíram para que os outros se desenvolvessem. Jogar contra os melhores fez os caras melhorarem. Outro fator importante é que foi criado um distanciamento dos atletas do que é a realidade brasileira - de campos e de relação com as torcidas.

O jogador de futebol brasileiro nunca deixou de desejar a seleção brasileira. Nunca deixou de sonhar. Mas, uma vez dentro, uma vez cumprido o sonho, parece que os caras entram em uma dinâmica de falta de foco. Gostam de estar juntos, gostam da resenha, do video game, das noitadas, gostam até de jogar bola. Nessas horas, falta o comando.

Um comando que a CBF tinha, queiram ou não, nas décadas de poder da "famiglia" - primeiro João Havelange, depois Ricardo Teixeira. A CBF sempre foi um verdadeiro balcão de negócios, um ambiente propício para gangsters. Muita gente fez dinheiro. Desde dirigentes até empresários, intermediários, publicitários, voou dólar para tudo quanto é conta e país. Mas este ambiente tinha liderança, tinha alguém que mandava. E, se nada foi feito para melhorar o ambiente do futebol de clubes (muito pelo contrário), pelo menos a seleção brasileira era muito bem organizada. Havia hierarquia.

A saída de Teixeira gerou uma corrida atrás do ouro, no melhor estilo Velho Oeste. O primeiro que chegou ao poder foi um sujeito que tinha roubado medalha na premiação da Copa São Paulo de juniores. Esse era o nível. Tinha saído um mafioso profissional para a entrada de ladrões de galinha desesperados por poder e dinheiro na maior velocidade possível. Virou bagunça.

Não estou aqui defendendo a volta de mafiosos profissionais à CBF. Apenas constatando que a falta de liderança e hierarquia gerou trocas e mais trocas de técnicos e, o principal, gerou uma seleção brasileira refém da Neymar LTDA. Tudo gira em torno do meninão e do paizão. Quem entra, quem sai, quem é convocado, quem joga, quem é parça, quem não é.

Acabamos de ver, na Copa América, a absurda presença do rapaz. Que estava em Las Vegas porque, para quem não notou, estava sendo realizado lá o grande evento mundial de poker. E aproveitou para aparecer nos jogos, treinos e vestiário. Se a seleção se desse bem na Copa América, "puxa vida, que legal, o Neymar estava lá ajudando e dando força". Se perdesse, como perdeu, "puxa vida, que falta faz o Neymar". Aquela situação em que ele sempre ganharia. E, como Dorival Jr não chegou com o discurso de "Neymar e mais 10", como fez e errou olimpicamente Fernando Diniz ao assumir a seleção, a corporação NJR achou que seria uma boa estratégia dar uma mijada no poste, com o perdão do linguajar.

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A seleção é refém de Neymar e foi assim ao longo dos últimos 14 anos. Isso faz parte do contexto de fraqueza da CBF. E da escolha errática de treinadores. Da proteção a um grupelho de jogadores que nunca se sentiu ameaçado por estar na órbita neymariana. Não estou aqui dizendo que Neymar é o culpado de todos os males, apenas que, no vácuo de poder da CBF, qualquer coisa poderia acontecer.

A seleção brasileira não tem maus jogadores, isso é conversa fiada. Outras seleções melhoraram muito, sem dúvida, a coisa ficou mais equilibrada mesmo. A globalização chegou forte ao futebol. Os nossos treinadores têm conhecimento do jogo. Mas o ambiente em torno do futebol, e aqui não é só culpa da CBF, é extremamente nocivo, tóxico até. Só se aceita a vitória a qualquer preço. Isso estraga a formação de jogadores na base e estraga qualquer tentativa de fazer técnicos melhorarem, pois eles nunca têm sequência de trabalho - na seleção ou nos clubes.

O problema não são os jogadores e passa longe de ser Dorival Jr. O problema é a falta de comando, de filosofia, de lógica de trabalho que venha desde lá de baixo, que gere uma intersecção saudável entre seleção e clubes, que consiga potencializar a rica cultura que temos e beneficiar todo mundo. O Brasil precisa pensar o futebol.

Os clubes fizeram um monte de dinheiro nos últimos anos e o 7 a 1 criou o ambiente necessário para que se admitisse a entrada de estrangeiros como estamos vendo no Brasil. O futebol de clubes definitivamente melhorou nos últimos 10 anos. Eles resolveram um problema deles, mas, de uma forma geral, o futebol brasileiro é inteiro desgovernado e não dá para os clubes serem ainda mais bem estruturados em meio a tal baderna.

Depois do 7 a 1 e com as seguidas derrotas nos últimos anos, todo mundo já se tocou que não somos os melhores do mundo. Tampouco somos os piores. É preciso planejamento e gestão profissional. E antes fosse só no futebol.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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