Julio Gomes

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Fortaleza é o maior fenômeno do futebol brasileiro

O Fortaleza é o líder do Campeonato Brasileiro, com uma pontuação (48 pontos em 23 jogos) melhor do que a de muitos campeões recentes. Tem um ponto a mais que o Botafogo (que podem ser quatro pelo jogos a menos que o Fortaleza tem), tem reais quatro a mais que o Flamengo e também quatro para o Palmeiras, mas que podem ser sete. Quietinho, quinetinho, o Leão do Pici, perdeu só um jogo nos últimos meses (15 partidas). A invencibilidade no campeonato é de 10 partidas e, somando todas as competições, são 13 vitórias seguidas jogando em casa.

São números incríveis de um clube incrível, comandando por um treinador absolutamente fora da curva - e aqui não falo somente de futebol. O Fortaleza é um fenômeno. Ele não está no eixo Rio-São Paulo, então tem mercado, mídia e arrecadação muito menores do que outros. E é um clube de uma cidade distante do Sul-Sudeste do país, regiões que abrigam 15 dos 19 concorrentes dele aqui dentro, sem contar o resto do continente. Isso quer dizer que o Fortaleza viaja muito mais do que todo mundo.

No calendário insano do futebol brasileiro, as viagens talvez sejam o grande pepino. Jogadores até aguentam o domingo-quarta-domingo sem arrebentar quando não há viagem no meio. Mas os deslocamentos constantes geram enorme perda de tempo e, claro, menos possibilidades de recuperação e trabalho físico - sem contar a parte técnica, que fica prejudicada.

O Fortaleza é um clube que muitas vezes tem de ficar sem voltar para casa para fazer uma dobradinha de jogos no sul do continente. São mais dias de hotel, de concentração, de um convívio forçado para os atletas - o que às vezes gera união, às vezes, saco cheio de olhar na cara do outro, em vez de estar com os filhos em casa. Vou dar um pequeno exemplo: nos primeiros dias de julho, o Fortaleza precisou viajar ao Rio de Janeiro para enfrentar o Vasco (a última derrota no campeonato), subiu para receber o Fluminense quatro dias depois para, na sequência, descer de novo ao Rio e jogar contra o Flamengo. É um vai-e-vem danado. E o pessoal que faz a tabela está preocupado com os interesses da TV, não do clube.

O Fortaleza é também o clube brasileiro que mais jogou na temporada, pois chegou à final da Copa do Nordeste (ganhou) e do Campeonato Cearense (perdeu). Ou seja, não é exatamente que Juan Pablo Vojvoda e os jogadores tenham tido tempo para respirar desde que começou a caminhada, em janeiro. E você não vê esses caras choramingando dia sim, dia também.

O futebol brasileiro se nacionalizou na virada de século, com a definição de um modelo de calendário com pontos corridos no Brasileirão, muitos classificados para torneios continentais e Estaduais reduzidos. Alguns clubes grandes conseguiram se resolver financeiramente antes que outros e passaram a ter um domínio que nunca foi visto aqui - notadamente, Flamengo e Palmeiras. Já eram grandes, ficaram maiores. O contragolpe a isso são as SAFs. Os clubes passaram a ser vendidos e terem dono, o que gera investimento sem controle financeiro - não somos muito bons nessas coisas, mesmo.

Neste cenário de clubes superpoderosos do Eixo e SAFs comprando os clubes que não conseguiram se acertar - mas que seguem tendo ambição, história, tradição e muita torcida -, eu confesso que achei que seria impossível um time do Nordeste brigar pelo título brasileiro. O mata-mata e nossa própria desorganização ao longo dos tempos deu margem para que muitos campeões "improváveis" conquistassem o título nacional. Nos pontos corridos, não tem mais como isso acontecer.

Ou até tem, mas com uma injeção artificial de dinheiro, como vimos recentemente acontecer na própria Inglaterra. Pequenos viram grandes em um estalar de dedos.

O Fortaleza amargou anos e anos e anos de Série C. Apesar de muito popular, uma força regional, nunca foi um protagonista do futebol nacional. Não foi comprado por chineses, russos, árabes ou coisa do tipo. O Fortaleza organicamente se colocou onde está hoje, com uma ótima administração e, o principal, escolha de profissionais.

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Acertou ao escolher Rogério Ceni lá atrás, ao aceitá-lo de volta sem cometer o erro tão comum aos orgulhosos, pavimentou o caminho melhorando estrutura e, em maio de 2021, ganhou na loteria ao buscar um cara como Juan Pablo Vojvoda.

O técnico argentino já deveria estar no radar de qualquer executivo de futebol do Brasil após os trabalhos no Talleres e no La Calera, do Chile. Mas não estava. O Fortaleza sequer imaginava que Vojvoda seria um acerto tão grande quanto foi. Além de um grande treinador, Vojvoda melhora o nível do ambiente de trabalho e do debate público sobre futebol e mostrou-se também um grande observador do que acontece no continente. O Fortaleza foi montando o grande elenco que tem com contratações de baixíssimo custo, principalmente se compararmos com os Flamengos e Botafogos da vida.

O único "pé na jaca" foi a contratação de Marinho, bem duvidosa pelo valor, pela idade e perfil do jogador. Mas OK, dá para sobreviver com Marinho. De qualquer maneira, foi com uma grana que organicamente o Fortaleza acumulou. Não teve benefício fiscal, banco ou, repito, comprador botando dinheiro a fundo perdido.

Não sei se o Fortaleza será campeão brasileiro. Pode ser que sim, pode ser que não. O calendário é bom, se a Sul-Americana não atrapalhar. O Flamengo está em três frentes, o Botafogo ainda em duas e só o Palmeiras jogará menos partidas que o Fortaleza daqui até o fim da temporada. Com um elenco balanceado, muito equilibrado em todos os setores, a torcida fiel e presente que tem, além do técnico competente, o Leão pode, sim, sonhar grande. Só não pode ter vertigem na hora H.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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