Julio Gomes

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A Portuguesa vive. Este é o primeiro dia do resto das nossas vidas

Eram 21h59 do dia 14 de novembro de 2024. Quando a Associação Portuguesa de Desportos. A minha Lusa. Decidiu mudar.

O Conselho Deliberativo aprovou por aclamação a transformação do futebol em SAF. Falta ainda passar pela Assembleia de sócios, um evento que deve ser apenas protocolar. E faltam ajustes contratuais entre o grupo de investidores e o Jurídico do clube. Mas o resumo é: aconteceu. A Lusa vendeu 80% do futebol. Os dirigentes saem de cena. Entram em campo novos donos.

Como torcedor da Portuguesa desde que me conheço por gente, eu tenho um sentimento estranho no momento. É claramente o primeiro dia do resto das nossas vidas. Como serão os dias futuros? Não sei, ninguém sabe. É um misto de alegria e tristeza.

Sinto-me triste porque essencialmente não acredito que os modelos de SAF sejam o correto. Não consigo gostar de ver clubes tradicionais do Brasil, forjados por pessoas que tinham origem, coisas e sentimentos em comum, construídos com o suor de tanta gente, constituídos de alegrias e tristezas, no futebol ou em qualquer outra modalidade, serem vendidos. Sinto-me triste porque foram pouco a pouco sugadas e mutiladas as instituições mais importantes e duradouras da história do Brasil, que viram democracias, ditaduras, tragédias e Carnavais, que moldaram a nossa sociedade - ou você não faz essa pergunta para qualquer pessoa nova que conhece? "Para que time você torce?"

Mas o outro lado da moeda é um certo alívio, é uma alegria, sim, por que não. Porque vocês aí que estão lendo e não torcem pela Portuguesa não sabem o que é deixar de ter time. É muito diferente teu time deixar de ser campeão ou deixar de ser multicampeão ou não conseguir jogar a Libertadores ou não conseguir segurar jogadores. Tudo isso, qualquer tristeza que vocês queiram escolher, não se compara à tristeza ver seu time morrer. Deixar de existir. Eu faço meus três filhos torcerem pela Portuguesa e não tenho um jogo para mostrar. É um vazio imenso. Desesperança pura. Nem piada mais os amigos fazem comigo.

Nós, torcedores da Lusa, apenas queremos ter de novo um time para torcer.

Esses caras que chegam para assumir o futebol da Portuguesa precisam entender isso. Só isso. Não precisa ser muito mais do que isso. Nós apenas queremos ter um time para torcer. Para assistir no estádio. Para xingar, para chorar, para, às vezes, comemorar um gol e rir.

Nenhum jogador de futebol que vista a camisa da nova Portuguesa tem a menor ideia do que foi a Portuguesa. Serão jovens de 18, 20, 25 anos. E os jovens de hoje em dia não sabem o que foi a Portuguesa no século passado. Nossa história não estava mais viva no campo. Está viva em nossos corações; na camiseta que usamos e que cada vez menos gente sabe do que se trata; está viva no pôster pendurado na parede; na flâmula; naquele quadrinho com o escudo do clube em uma estante.

No campo, estávamos mortos. Morrendo da pior maneira possível. Pouco a pouco.

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A nova SAF é vida. Não sei que vida será essa. Eu apenas torço para que eles, os novos donos, não queiram apenas explorar a área física da Portuguesa. Façam isso. Ganhem dinheiro. Tomara que dê tudo certo para os negócios. Desejo isso de coração. Mas para nós, os que sobramos, "vida" não é uma arena moderninha. "Vida" é ter um time para torcer. Só isso.

Enquanto escrevo, meu celular não para. É um monte de gente dando os parabéns, como se tivesse nascido mais um filho. Me perguntam se estou feliz. E eu respondo que "não sei". E depois vejo que estou.

Infelizmente, nossa colônia não soube, ao longo da história, transformar a Portuguesa no que ela poderia ter se transformado. Era a hora de eles irem. Os últimos 25 anos foram miseráveis, exceção ao acidental e inesquecível 2011. Já são 25 anos. Miseráveis. Tristes demais.

Tem torcedores da Portuguesa que torcem muito mais do que eu, acompanham muito mais do que eu, vivem o clube mais do que eu. E eu definitivamente estou feliz por essas pessoas. São os que mais merecem a chance de uma vida nova e diferente. Meus filhos também merecem poder torcer. E meus sobrinhos. E os filhos deles, se assim quiserem.

Estamos há duas décadas em queda livre em um abismo sem fim. Sabíamos que lá no fundo dele estava o inferno. A morte morrida. O fim definitivo. Neste 14 de novembro, nos deram um para quedas. Agora nos sentimos flutuando. O mundo está girando em outra velocidade. Com cheirinho à alecrim. E talvez apareçam lá no fundo coisas diferentes, que não sejam o inferno. Talvez lá estejam um cacho de uvas douradas. E duas rosas num jardim. Até mesmo um São José de azulejo. E o Sol da primavera...

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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