Julio Gomes

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ReportagemEsporte

CEO que vem da França quer resgatar orgulho e estilo brasileiro na Lusa

A Portuguesa agora tem dono. O futebol - 80% dele - foi vendido para um consórcio de empresas que enxergam no clube a possibilidade de ganhar dinheiro com a construção de uma arena para eventos em área estratégica da cidade e, claro, com a negociação de jogadores. O rosto desta iniciativa é Alex Bourgeois, um parisiense nascido em 1968. Ele tinha apenas 5 anos de idade, crescia em um pequeno vilarejo e nenhuma perspectiva de destino cruzado com o clube da colônia portuguesa em São Paulo quando a Lusa conquistou seu último título de elite, um Paulistão dividido com o Santos de Pelé.

"Cresci perto de Bordeaux, é meu time do coração. Neste momento, ele está na quarta divisão francesa, quebrado. Sei bem o que é 'perder' o próprio time, sei o que sentem os torcedores da Portuguesa", diz Bourgeois em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Bourgeois chegou ao Brasil nos anos 90 para trabalhar no mercado financeiro. Navegou entre pessoas importantes da nossa sociedade e viveu o que pouca gente teve a chance de viver. Foi casado e tem três filhos com Verônica Serra, filha de José Serra. Chegou a ter sigilo fiscal violado em época de processo eleitoral, em 2010. Já são divorciados há 14 anos e a proximidade com a política não deixa saudades. À época, Bourgeois já estava dentro do futebol e trabalhava junto à Teisa, o grupo de investidores que atuava no Santos. Foi quando começou a se envolver com a paixão nacional.

Teve passagens curtas no São Paulo (como um braço direito de Abílio Diniz) e no Figueirense. E agora é o CEO da recém criada Lusa SAF. Que, para muitos torcedores da Portuguesa, ainda desperta muita desconfiança. Mas substitui um modelo absolutamente morto e sem esperanças, o da antiga Associação Portuguesa de Desportos, destruída pelos dirigentes, famílias e agregados que chuparam até a última gota de sangue do clube.

"A diferença agora (para os anos de São Paulo e Figueirense) é que tenho a caneta na mão. A decisão é minha e dos sócios. Me preparei muito para isso. Sou um apaixonado pelo futebol brasileiro e quero resgatar na Portuguesa a essência, a coragem do jogador brasileiro. Resgatar o orgulho, fazer a ponte com a comunidade portuguesa, fazer o clube voltar a ser um grande revelador de atletas."

O plano de resgate é baseado na ciência. No uso de softwares e análise de performance para buscar profissionais que se adequem ao estilo desejado. A Portuguesa terá de reinventar o futebol de base, se adequar aos requisitos exigidos pela CBF e Federação Paulista para virar clube formador e fazer um trabalho com lógica, desde os times de baixo, para criar algo que gere frutos para o time profissional e para os investidores monetizarem. Alex Bourgeois pretende usar as entradas que têm em outros mercados para inserir a Lusa em um universo multiclubes. Tudo isso leva tempo, não acontece em um estalar de dedos.

A chamada "SAF do bilhão" não significa que a Portuguesa vai sair contratado jogadores loucamente. Até porque mais da metade do tal bilhão servirá para serem sanadas as dívidas surreais constituídas pelas seguidas gestões pífias dos últimos 30 anos. E quase o total da outra metade será usada para a construção da nova arena. No futebol, é trabalho de paciência.

Até a publicação desta entrevista, a SAF tinha anunciado o novo técnico, o ainda desconhecido Cauan de Almeida, e nove jogadores. Mais cinco devem ser anunciados nos próximos dias, entre eles Daniel Júnior, ex-Cruzeiro, Vitória e América-MG, o primeiro de "nível Série A". O acerto foi dado em primeira mão por esta coluna e confirmado na entrevista por Alex Bourgeois. Segundo o CEO, os próximos nomes são todos jogadores que chegam para serem titulares. Acompanhe abaixo.

Juiio Gomes - Em que nível de competitividade a Portuguesa estará no Paulistão?

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Alex Bourgeois - A gente está finalizando a contratação de jogadores, mas trabalhando com o mesmo espírito que estávamos antes de assumir. Montar um time não só competitivo, mas que dê orgulho ao torcedor. Mostrar um time corajoso, que joga bem. No mínimo, no mínimo, queremos permanecer na Série A do Paulista e ganhar a vaga a Série D de 2026. A tabela é dura, começamos com Palmeiras, Novorizontino, Ponte Preta, Mirassol, São Paulo e Botafogo de Ribeirão, ou seja, tudo time de Série A ou B. Vamos focar jogo a jogo nos seis primeiros jogos, para depois pensar em alçar voos maiores.

JG - Muita gente se pergunta se não seria melhor um técnico cascudo, conhecedor de futebol paulista, em vez de começar o projeto logo de cara com um treinador de pouca bagagem. O Cauan de Almeida vai se segurar caso esse início difícil seja de resultados ruins, dois ou três pontos na tabela?

AB - Depende de muito de como você conquista esses três pontos. Não pode perder a perspectiva do que está acontecendo dentro de campo. De repente, você faz seis excelentes jogos e perde porque são times melhores. Depende muito de como estiver jogando. Se estivermos fazendo jogos de força igual e perdeu porque é do jogo, porque são times melhores, você pode pensar que depois vai ganhar mais pontos quando pegar times menos fortes. Acho que a tabela nos favorece. Pegar seis pedreiras é melhor para entrar logo no campeonato.

JG - Mas por que a escolha do Cauan?

AB - Primeiro, por causa do estilo. A gente acredita nesse estilo de futebol que eu chamo de heavy metal, que é o que mais se adapta ao futebol brasileiro e foi esquecido no Brasil. O Cauan é o técnico que mais desenvolve esse estilo de jogo no Brasil, um jogo de pressão e intensidade. E ele tem experiência em muitos estaduais, porque foi auxiliar no Paulista, no Mineiro, no Gaúcho... Foi o melhor técnico do Mineiro (com o América em 2024). Ele tem as credenciais. Ele trabalhou com o Lisca no América e foi levado pro Inter. Ele trabalhou com o Coudet no Inter. Ele trabalhou com o Mano no Inter e foi levado para o Corinthians. Todos os técnicos que trabalharam com ele, levaram junto para o próximo emprego. Fez o mestrado em Portugal, é muito estudioso. É um cara em quem confio para este projeto.

JG - Explique um pouquinho a lógica das contratações até agora. A torcida não se emocionou muito. Que tipo de jogador vocês estão buscando?

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AB - A gente buscou com características muito claras. Jogadores que entram no esquema de jogo, o heavy metal que o Cauan desenvolve. É um jogo de intensidade, movimentação, construção. Os jogadores têm que ser mais jovens, porque a condição física é essencial para isso. Os treinos têm sido muito bons, de altíssima intensidade, porque buscamos jogadores que se encaixam nesse perfil. O Cauan gosta de um time muito estruturado, com sistema defensivo forte, futebol de alta velocidade, de intensidade, redução de espaços. O time adversário se sente oprimido, pois o nosso vai marcar no alto, com intensidade e com todos os jogadores de linha. Por isso, comparo com o heavy metal, é inspirado no que fez o Jurgen Klopp esse anos todos.

JG - Só quero voltar ao cenário de início ruim, que é bem possível, até pela montagem do time tão em cima da hora e o campeonato que começará mais cedo que o previsto. Vocês vão aguentar o tranco?

AB - Quem tem que aguentar a chiadeira somos nós, não o técnico. Nós que somos os comandantes. Quem contrata é quem acerta ou erra. Enquanto ele estiver desenvolvendo o futebol dele, não vai ser demitido.

JG - Qual a grande dificuldade que vocês estão enfrentando no mercado?

AB - Falta de credibilidade. Tem muito empresário não quer colocar jogador aqui e muitos jogadores que não querem vir, seja por falta de credibilidade ou calendário, são caras que não querem jogar na Série D. O empresário prefere um contrato logo de 12 meses do que ter que retrabalhar o jogador daqui a 3 meses, entende?

JG - Neste ano, a Portuguesa foi buscar alguns veteranos, tipo Giovanni Augusto ou Vítor Andrade, que resolveram um jogo aqui, outro ali, e isso fez com que o time não caísse. A torcida se anima com essas coisas, os Henriques Dourados da vida...

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AB - Tem jogador que está ganhando 800 mil reais por mês e a gente nem entra em contato. Fomos atrás de alguns caras lá fora, encontramos clubes que pedem 3 milhões para liberar. Não quero citar nomes para não melindrar ninguém. A gente não quer jogador de nome. Ele pode até ter nome, mas tem que ter a pegada que encaixe no jogo do Cauan, no novo modelo de jogo da Portuguesa. Se não te traz intensidade, não vamos trazer. A gente está olhando jogadores que serão potencializados pelo estilo de jogo que o time vai desenvolver. Vários dos que estamos trazendo serão potencializados pelo estilo de jogo do Cauan, e talvez em outros lugares não tenha sido assim. A gente pegou jogadores que são banco em determinados times, mas pelas características vão se encaixar conosco. Por exemplo, o Alex Nascimento, zagueiro. Não jogava (no Santos) por opção do técnico, mas por ser muito construtor, vamos potencializar muito o futebol dele.

JG - Do elenco que já estava no clube, alguém se salva?

AB - Nos treinos, já está acontecendo o movimento de evolução. Depois do primeiro treino do Cauan, estávamos bastante preocupados. Parecia uma terra arrasada mesmo. Mas os que estavam na Portuguesa aumentaram a capacidade deles de maneira exponencial. Eles não tinham estímulo, agora têm. Fora do Maceió e do Tales, que já tinham algum destaque, o Cris chamou bastante a atenção. O Tauã está evoluindo muito. Estamos mudando alguns jogadores de posição, tinha muita coisa aqui que não estava sendo aproveitada.

JG - O Daniel Júnior está mesmo no próximo pacote de contratações?

AB - Sim, está correto, ele aparecerá nesse pacote. Nós não sabíamos que o Vitória estava disposto a emprestá-lo e ficamos sabendo que estava perto de fechar com o Guarani. É um jogador de 22 anos, de muito potencial, então fizemos o esforço para trazê-lo. Esses cinco que chegam agora, chegam para ser titulares. Temos um certo e quatro que estamos finalizando. Sempre tem uma coisinha que pega aqui e ali, mas espero poder anunciar até quinta da semana que vem. A gente vai procurar ainda mais dois ou três jogadores, mas aí será só oportunístico, alguma boa possibilidade que se apresente.

JG - Antes da assinatura da SAF, os principais questionamentos dos conselheiros eram sobre o tal investimento inicial e a garantia de que seja feito investimento em futebol ao longo dos anos. Ou seja, que não vire um negócio apenas imobiliário. Você pode esclarecer um pouco o tema?

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AB - Nosso negócio é o futebol. A arena vai ser construída para o futebol e para eventos. Não tem no projeto prédio comercial, residencial, nada. Mas no século 21 você vive de outras coisas, e essas outras coisas são shows e eventos. A gente não vai ser diferente do Allianz (do Palmeiras), está no mesmo caminho. Quando você contrata 14, 15, 16 jogadores só para o Paulista, me parece óbvio que a gente está focado para o futebol. Nossa folha não é baratinha. Vai chegar perto de 2 milhões.

JG - Algo surpreendeu negativamente já após a assinatura e vocês assumirem o controle?

AB - A completa falta de faturamento não é surpreendente, mas é um desafio gigantesco. Vamos ter que viver do dinheiro que colocamos e tentar arrumar faturamento de forma rápida. A gente sabia que o time não estaria do jeito que gostaria, teria que contratar jogador. O pior foi o prazo, ter muito pouco tempo e ainda o Paulista ter sido adiantado por causa da CBF. A Portuguesa demorou muito para a assinatura? Do ponto de vista macro, as coisas foram rápidas, mas do ponto de vista micro, algumas coisinhas foram estressadas mais do que era necessário e perdemos um mês aí, um mês que agora está fazendo falta.

JG - A Portuguesa já entrou em recuperação judicial. Como andam as conversas com os credores?

AB - Isso está sendo feito, mais pelo time da Tauá. As conversas estão em andamento, mas é fim de ano, elas vão começar a andar mais forte em janeiro. São 550 milhões de reais de dívidas, vamos ter que trabalhar muito.

JG - Quero falar um pouco sobre você. Você já passou no Brasil por muita coisa que gente importante não passa. É conectado com pessoas de mercado financeiro, da política, do futebol... Quem é o Alex Bourgeois?

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AB - Um apaixonado por futebol. Uma pessoa que quer resgatar a essência do futebol brasileiro, que era jogado na década de 80, que encantou o mundo e me encantou. Quero resgatar a coragem e a técnica do futebol brasileiro, que ficou muito robotizado por só pensar em vender jogador para a Europa. Resgatar o orgulho, fazer a ponte com a comunidade portuguesa, fazer o clube voltar a ser um grande revelador de atletas. Sim, já tive contato com a política nacional por questões familiares, mas não é de política que eu gosto. Nasci na França, cresci em um povoado de 80 pessoas e agora sou um dos donos de um clube de futebol importante em uma cidade de 20 milhões de habitantes. Estou curtindo muito este novo momento da minha vida e me preparei para isso.

JG - Muitos te criticam lembrando das experiências mal sucedidas no São Paulo e no Figueirense. Fale um pouquinho delas.

AB - Muito simples. No São Paulo, fui moído pela política de clube e todo mundo sabe o que é a política de um clube grande. No Figueirense, não estava de acordo com o que estava acontecendo e um ano depois todo mundo viu o que aconteceu. Me preparei muito para esse momento. O mais importante agora é ter a caneta. Como dono, você consegue implementar as coisas da maneira que acredita, sem as barreiras que tive nos clubes que você citou.

JG - Você falou em integrar a comunidade portuguesa, mas essa não é exatamente a responsabilidade de vocês. A Associação Portuguesa de Desportos continua existindo como clube social.

AB - Sim, vamos entregar para eles um novo clube social, eles que vão tocar, que vão organizar as Festas Juninas ou o que quiserem fazer. Esta responsabilidade continua sendo dos dirigentes da Portuguesa social, nossa competência é futebol. Hoje, não é mais possível fazer futebol caro se não ganhar dinheiro em vários lugares. Queremos integrar a comunidade portuguesa da maior forma possível, temos de pensar além do torcedor. Temos de pensar na comunidade toda, que a pessoa venha de manhã e fique o dia inteiro. Vamos pensar em eventos, parte gastronômica, shows, espaço para crianças. A gente vai experimentar algumas coisas. O nosso CT agora vai se chamar "Aldeia Lusa", uma ideia dada pelo teu irmão, o Flavio Gomes. É isso que queremos, grandes ideias e criar de novo um senso de comunidade em torno da Portuguesa.

JG - O Canindé será reformado ou reconstruído?

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AB - Depende de aprovação da Prefeitura, de um monte de coisa e essa é mais a parte da Revee (parceira da Tauá), dos engenheiros. A ideia é jogar no Canindé neste ano e, em 2026, 2027, talvez parte de 2028, não ter o Canindé. Está andando a conversa de jogar no Pacaembu neste período, mas não está finalizado o acordo ainda.

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