Luís Enrique transforma PSG em time e dá tapa na cara dos reféns do talento
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É cultural. Estamos habituados a achar que o futebol é uma coisa de indivíduos. Pode ter sido verdade no passado - e por bastante tempo. As últimas décadas, no entanto, estão aí para nos mostrar que as coisas mudaram. Com elas, precisamos mudar também. O futebol é outro hoje.
A seleção brasileira e o futebol doméstico, de uma forma geral, precisam entender que não é de estrelas que é feito o sucesso. É de um time. O espírito coletivo precisar estar sempre acima da esperança em uma individualidade. Nossa cultura nos faz criar vilões de forma injusta, heróis que não merecem. Nossa cultura nos faz refém do talento.
A vitória do PSG sobre o Liverpool, ontem, fora de casa, na Liga dos Campeões da Europa, foi mais um capítulo, talvez o mais emblemático, da transformação do time de Paris. De um apanhado de estrelas, primas donnas que faziam o que queriam no clube, capitaneados por Neymar primeiro, Mbappé depois, o PSG se transformou em um time. Muitos dos mesmos jogadores que estiveram na Champions duas temporadas atrás, a tal temporada de Neymar-Messi-Mbappé, estavam no campo de Anfield ontem.
O quanto não ouvimos pessoas dizerem que o trio de estrelas estava "mal acompanhado" em Paris? Bem, talvez os que estavam mal acompanhados eram os outros...
Eu não desprezo o talento. Mas o talento precisa estar a serviço do time, nunca o contrário. Quem tiver a possibilidade, deveria assistir ao documentário "No tenéis ni p... idea", ou, em tradução livre, "Vocês não sabem porra nenhuma". Está disponível no canal de streaming "Max" e é centrado na figura de Luís Enrique em sua primeira temporada no PSG - a passada, 23/24, quando o time de Paris caiu no grupo da morte na primeira fase da Champions League, passou, eliminou o Barcelona depois de perder o jogo de ida em casa e chegou até a semifinal do torneio.
Luís Enrique é o maluco que conseguiu o que parecia impossível: transformar o PSG em um time. Recomendo especialmente a última cena do segundo (de três) capítulo da série, quando ele tem um particular com "Kiki", Kylian Mbappé, e diz para ele: "Li por aí que você gosta de Michael Jordan. Pois Michael Jordan dava o exemplo a seus companheiros (...) Quando você ataca, você é um fenômeno. Mas eu preciso que você seja um p... de um defensor na partida de amanhã" - o jogo do 4 a 1 em Barcelona.
Luís Enrique fala também, no momento em que sabe que Mbappé deixaria o clube, que o time "jogava em função da pedra fundamental do projeto". Atacava e defendia em função da estrela maior do PSG. E, a partir daquele momento, isso não seria mais necessário. "É o time acima de todos". Tem que ter coragem para barrar estrelas. Mais do que isso: peito para falar com esses caras olhando nos olhos, e não de baixo para cima.
É um treinador que acerta e erra, mas nunca foge da responsabilidade e abdica do jogo por medo. Sobram coragem, criatividade e sangue nos olhos de Luís Enrique. É um obstinado. Sim, também arrogante, às vezes mal educado, mas nota-se perfeitamente que é um cara de bom coração, de muito coração, e que não mede esforços criar o espírito que considera necessário para sua equipe vencer - claro que não é só isso, o documentário mostra bem como ele compartilha, ouve e trabalha junto com sua equipe de auxiliares.
O PSG fez dois baita jogos contra o Liverpool, virtual campeão da liga mais difícil do mundo e melhor time da temporada até agora. Passou nos pênaltis, mas eles só foram necessários porque Alisson impediu vitórias acachapantes do PSG. Vitórias que viriam em cima da coragem.
Coragem e espírito de equipe, ousadia e construção do coletivo. Pilares fundamentais que explicam a transformação do Paris neste ano e meio com o atual técnico. Atributos que são os que mais sinto falta de ver na seleção brasileira.
E pensar que, após a Copa de 2022, esse cara estava facinho, facinho...