MP nada urgente; PL sem diálogo: a desesperança toma conta do esporte
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Andrei Kampff
O esporte passa por um tsunami legislativo. Em uma semana, o PL 1013/20 foi aprovado pela Câmara e a MP 984 foi editada pelo governo Bolsonaro. Apesar dos números diferentes, têm muito em comum: tratam do futebol, mudam leis e foram feitos sem a discussão necessária.
Rapidamente.
Primeiro o Projeto de Lei.
De acordo com o projeto, os clubes não precisarão mais pagar as parcelas do Profut enquanto durar a pandemia, sem nenhum tipo de contraprestação. Mas não é só isso. O texto ainda adia em sete meses o prazo para clubes e entidades publicarem suas demonstrações financeiras de 2019. E, mais, tem também um dispositivo para que os dirigentes de clubes que descumprirem regras de transparência financeira sejam punidos apenas após o trânsito em julgado de processos administrativos ou judiciais.
Ou seja, sob verniz de socorro, mais uma vez se utiliza velhas práticas que só alimentam a má gestão esportiva.
Agora, a MP de Bolsonaro.
Ela permite a possibilidade de firmar contratos por 30 dias - importante já que muitos clubes vão precisar destes contratos curtinhos para terminar os campeonatos regionais (a Lei Pelé só permitia contratos com duração mínima de 3 meses.
Esta, me parece, a única medida que justifica urgência provocada pela pandemia, já que o futebol está voltando no Brasil (acredite!), e clubes pequenos e muitos atletas ficaram sem contrato.
Acontece que essa MP também determina que o clube mandante passa a ser o detentor dos direitos de transmissão. Pela Lei Pelé, ambos os clubes tinham que fechar com a a empresa que vai transmitir os jogos. Agora basta que o mandante ceda os direitos.
E, mais, ela permite que empresas produtoras de conteúdo jornalístico possam patrocinar equipes esportivas, e essas estamparem suas marcas nas camisas. Isso passou a ser proibido depois da final da Copa João Havelange, quando o Vasco exibiou a marca do SBT em uma partida mostrada pela Globo.
Pronto.
Agora, vamos lá.
Qual a urgência dessas medidas?
Existe um PL, o 68/17, que está no Senado e trata disso (como também tipifica o crime de corrupção privada no esporte), e ele está parado. Inclusive, essa MP copia o texto sobre direitos de transmissão.
A MP não foi pensada, não foi discutida, não buscou a palavra dos principais agentes esportivos. Entidades, clubes, atletas, advogados, patrocinadores, torcedores.
Me parece claro que a visita do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim (na quarta-feira, um dia antes da MP ser editada), ao Planalto mostrou que pelo menos ele deve ter participado das conversas sobre o texto.
Esqueça se você é a favor ou contra o clube mandante ter os direitos sobe o jogo. Essa é uma outra discussão (voltaremos a ela outro dia). A questão é sobre o procedimento correto, participação coletiva e risco jurídico.
A MP tem problemas, e corre grande risco de ser alterada pelo Congresso, e até mesmo derrubada. Isso porque foi feita às pressas, sempre no anseio de resolver problemas pontuais (individuais?!), e não pensando na estrutura e futuro do esporte. Pode-se até discutir sua constitucionalidade, uma vez que a urgência não está bem evidente. Enfim, ela traz riscos jurídicos.
Como sempre no Brasil.
Claro que o momento é excepcional, o que exige de todos novos caminhos e soluções. E toda discussão e iniciativa para enfrentar esses dias são importantes.
Mas a crise não pode jamais ser pretexto para alimentar a velha cultura da inadimplência, da irresponsabilidade na gestão esportiva e de interesses individuais se sobrepondo ao coletivo.
MP sem urgência, PL sem diálogo. Os dois mudando o direito e o esporte. Parafraseando John Steinbeck, vivemos o OUTONO de nossa desesperança no esporte. E a culpa não é do vírus.
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