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Protesto histórico na NBA também ajuda a explicar vitória democrata nos EUA

10/11/2020 10h00

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Andrei Kampff

O mundo parou. Todos de olho em um número que poucos entendiam a origem, mas que sabiam muito bem o que representava: 270. Depois que Joe Biden atingiu o número mágico, todos entenderam que os Estados Unidos da América tinham um novo presidente (menos Dionald Trump). Além do democrata, Kamala Harris foi eleita vice-presidente, a primeira mulher e a primeira negra a ocupar o cargo. Um acontecimento do esporte em agosto também ajuda a entender as escolhas feitas pelos americanos.

O dia 27 de agosto foi histórico.

Por conta da violência policial contra negros, os atletas do Milwaukee Bucks não entraram em quadra para enfrentar o Orlando Magic pelo jogo 5 dos playoffs da conferência leste. O protesto ganhou a adesão de outras franquias e a rodada acabou sendo adiada. Outros esportes também pararam nos Estados Unidos.

Um dia depois, a NBA divulgou uma nota junto com a Associação de Jogadores dizendo que a temporada recomeçaria, depois de alguns acertos;

- criação de uma aliança entre jogadores, técnicos e donos de franquias para promover maior engajamento na discussão de causas sociais;

- os centros de treinamento das franquias seriam transformados em zonas eleitorais;

- a NBA passou a usar espaços publicitários para incentivar as pessoas a participarem de campanhas contra o preconceito racial;

Ou seja, atletas se uniram, defendendo uma causa justa e plural, e não só mudaram a relação que tem com o basquete, como ajudaram na construção de um mundo melhor.

A NBA é uma liga mais liberal, diferentemente da NFL, por exemplo. Não há proibição de manifestações como em outras ligas, no próprio Movimento Olímpico e na FIFA.

Mas elas estão mudando devido a pressão dos próprios atletas.

FIFA e COI já cederam

Depois da morte do negro George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos em maio, os atletas se posicionaram de maneira firma no combate ao preconceito. O movimento ganhou a adesão de grandes marcas, de patrocinadores do esporte e entidades globais, e fez com que a FIFA e o COI cedessem em posições históricas.

O Comitê insiste em manter a regra 50 da Carta Olímpica, que proíbe protesto político, religioso ou racial. Ela já foi usada para punir atletas que lutavam contra o racismo, contra a homofobia, e outros preconceitos. Com os jogos de Tóquio, e o movimento de atletas combatendo o racismo pelo mundo, esse artigo fatalmente será um problema.

Depois da pressão dos atletas, o COI emitiu um comunicado e se posicionou contra o racismo, lembrando que a não discriminação é um dos pilares do esporte, presente, inclusive, na Carta Olímpica.

"O gozo dos direitos e liberdades estabelecidos nesta Carta Olímpica será assegurado sem discriminação de qualquer tipo, como raça, cor, sexo, orientação sexual, idioma, religião, opinião política ou outra, origem política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outro status".

Antes disso, a FIFA também havia se manifestado.

Ela orientou suas entidades filiadas a não punir atletas que se manifestarem contra o racismo, algo que começou com a volta do futebol na Alemanha, mas seguiu forte com a retomada do esporte em outros lugares.

As regras do jogo proíbem manifestações políticas em campo. Mas, nesse caso, a entidade faz uma leitura mais ampla da regra, entendendo que a proteção de Direitos Humanos vai além de qualquer bandeira ideológica. Inclusive, a proteção de DH faz parte do Estatuto da entidade.

Momentos históricos

A discussão não é nova, em vários momentos o esporte foi também um catalisador de transformações sociais importantes, combatendo o preconceito e levantando bandeiras necessárias.

Em 1936, nas Olimpíadas de Berlim, Adolph Hitler usou os jogos como uma estratégia de propaganda do regime nazista, a do discurso da "supremacia ariana". Mas ele não contava com o negro Jesse Owens que conquistou 4 medalhas de outro e foi o grande nome dos jogos na Alemanha. No pódio, Owens sequer olhou para o ditador, que deixou o estádio olímpico antes do fim da cerimônia.

A história do Start FC também é fantástica. O time formado por jogadores ex-jogadores do Lokomotiv e do Dínamo de Kiev, muitos deles ex-prisioneiros na Segunda Guerra Mundial, começou a se destacar. Isso incomodou os nazistas. O time da Força Aérea Alemã desafiou o Start. Vencer poderia significar a morte. Eles sabiam, mas decidiram honrar a pátria, a dignidade e as chuteiras e venceram o jogo. Na vitória sobre a segregração nazista, os jogadores foram presos e quatro deles foram assassinados.

Um exemplo no Brasil, a democracia corintiana. Na década de 80 o Brasil ainda vivia sob ditadura militar. Foi nessa época que alguns atletas politizados do Corinthians decidiram criar um movimento político pela volta da democracia e maior participação dentro do clube. Com líderes como Sócrates, Wladimir e Casagrande, os jogadores passaram a fazer parte de discussões importantes, como contratações, premiações, concentração. Essa democracia interna se tornou um símbolo de luta pela democracia no Brasil, e muitos desses atletas participaram ativamente da campanha pelas Diretas Já em 1984.

Teria ainda a fantástica história do Rugby na África do Sul, que ajudou a unir um país fraturado pelo Apartheid ( que a gente contou aqui) . Ou a história de Colin Kaepernick na NFL e tantas outras.

Mas dessa vez, o grito está sendo mais forte. E ele tem sido ouvido e replicado em várias partes do mundo.

E é somente com essa participação, provocada pela pressão dos atletas e da opinião pública, que uma mudança sistêmica acontecerá no esporte.

Naquele 27 de agosto de 2020 o mundo do esporte se uniu de maneira rara para proteger algo que é da sua natureza: direitos humanos.

E quando atletas se unem em defesa de uma causa plural, eles não só podem mudar regras do jogo, como também ajudam a transformar o mundo. A paralisação na NBA foi mais um exemplo disso.

Uma paralisação que provocou mudanças na Liga, proporcionando uma maior participação de todos no processo eleitoral. As mudanças também influenciaram as eleições de novembro nos EUA, aumentando o engajamento das pessoas nas eleições e o combate ao preconceito.

E, assim, o esporte ajudou, mais uma vez, na construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e igual. Como o mundo e o esporte devem ser.

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