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Historicamente governos se apropriam do esporte.Copa América é novo exemplo

02/06/2021 10h11

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Andrei Kampff

O futebol tem uma forca política incontestável. Governos sabem disso e não foram raras as vezes em que eles se utilizaram da popularidade do esporte para tentar ganhar oxigênio político. A Copa América é mais um exemplo.

O Governo Federal teve papel decisivo na vinda da Copa América para o Brasil. O Ministro da Casa Civil se empenhou pessoalmente para viabilizar a competição, ligando para vários governadores e pedindo para que eles autorizassem a realização de jogos. No final da terça (1 de junho), foram anunciadas quatro sedes para competição.

Desgastado por um trabalho condenado mundialmente no combate à pandemia, com uma CPI nos ombros e mergulhado numa crise econômica que não apresenta caminhos para solução, o governo viu no futebol um caminho para mudar a pauta e para embarcar na popularidade do esporte. Mas, claro, que essa não foi uma ideia original, uma grande sacada, de Bolsonaro.

Historicamente, governos se utilizam do esporte para faturar politicamente.

No Brasil, Getúlio Vargas - inteligente que sempre foi - foi o primeiro governante a entender esse papel e criou a primeira Lei Geral do Esporte em 1941. Um esporte tutelado pelo Estado, natural até pela natureza do Estado Novo de Vargas, que tinha preocupação social, mas era também populista, autoritário e extremamente nacionalista.

Em 2014, eu trabalhei na Olimpíada de Sochi. Um super evento esportivo para que o presidente russo Vladimir Putin melhorasse sua imagem interna desgastada e reforçasse suas relações internacionais. Ele também investiu numa Copa do Mundo em 2018 e Sochi passou a receber uma das etapas do Mundial de F1. O esporte como marketing político.

O nazismo usava o esporte como instrumento de propagação da "supremacia da raça ariana". A ditadura militar no Brasil interferiu até na demissão do João Saldanha antes do Tri mundial da seleção brasileira.

Estados farão sempre isso. Mas o esporte precisa se sujeitar a essa apropriação?

O esporte já mostrou outros caminhos de força política que se tornaram históricos, distante do poder público e protegendo direitos humanos.

Alimentado pela cultura popular e pela paixão do torcedor, ele já parou guerras, ajudou na abertura democrática brasileira, enfrentou o nazismo, aproximou povos e ajudou no combate à discriminação.

O esporte tem exemplos históricos de resistência. Um deles.

A história do Starf FC é fantástica. O time formado por ex-jogadores do Lokomotiv e do Dínamo de Kiev, muitos deles prisioneiros na Segunda Guerra Mundial, começou a se destacar. Isso incomodou os nazistas. O time da Força Aérea Alemã desafiou o Start. Vencer poderia significar a morte. Eles sabiam, e honraram a pátria, a dignidade e as chuteiras e venceram o jogo. Os jogadores foram presos e quatro deles foram assassinados.

(essa história vale uma coluna só para ela - farei)

E vamos ficar nesse exemplo, mas temos vários outros.

Importante agora é lembrar que proteger a saúde é uma obrigação do esporte. Nem vamos entrar na questão legal, sobre a responsabilidade de clubes/seleções e entidades pela saúde dos envolvidos no jogo.

A questão aqui é outra.

A Copa América aumentará a crise sanitária que o Brasil vive?

Especialistas dizem que sim.

O Brasileiro parou, a Libertadores e o futebol no mundo também pararam por muito tempo para que se criassem protocolos que deixassem o jogo mais seguro. Despois de muita discussão e OK das autoridades sanitárias as competições voltaram.

Que protocolo foi criado em alguns minutos da reunião da segunda feira na Conmebol? Que análise sobre impacto sanitário foi feita sobre os efeitos da competição para a saúde pública do Brasil? E os riscos jurídicos?

O futebol sulamericano apostou em um governo que precisava de um fato novo para tentar ganhar força política. O Governo gostou da ideia. A Copa América veio para o Brasil.

O futebol - e o esporte - tem vários capítulos em que mostrou que sua importância ultrapassa os limites do campo e transforma vidas e realidades. Algumas histórias são encantadoras; outras, tristes.

Neste momento se escreve mais uma.

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