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Escândalos sexuais reforçam compromisso do esporte de proteger menores

18/01/2022 04h00

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Andrei Kampff

O abuso sexual contra menores é uma realidade no esporte e as entidades esportivas também têm responsabilidade nesses crimes, por isso precisam ajudar a combater o problema. Essa também foi a conclusão em dois casos recentes que abalaram o esporte nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Em dezembro do ano passado, após cinco anos de batalhas judiciais, as vítimas do ex-médico da equipe feminina de ginástica dos Estados Unidos, Larry Nassar, chegaram a um acordo com a Federação Americana de Ginástica, os Comitês Olímpico e Paralímpico americano e suas seguradoras. As ginastas receberão ao todo cerca de US$ 380 milhões (R$ 2,1 bilhões).

Um pouco antes, em junho de 2021, na Inglaterra, uma investigação independente apontou falhas de clubes e da própria federação em um dos maiores escândalos da história do futebol inglês. Um relatório de mais de 700 páginas que mostrou falta de mecanismos internos de controle e apresentou caminhos necessários a serem tomados pelas entidades esportivas na proteção de atletas.

Um na Inglaterra, outro nos Estados Unidos. Dois casos históricos que reforçam compromisso legal de clubes e federações na proteção de atletas e servem também de exemplos para caminhos necessários a serem tomados no Brasil.

Escândalo no futebol inglês

A investigação conduzida pela empresa Clive Sheldon GQ responsabilizou a Federação Inglesa de Futebol (FA) por deixar que crianças jogassem futebol em clubes ingleses ao longo dos anos estando expostas a um grande risco de sofrerem abusos sexuais. Um longo trabalho de análise independente gerou um relatório que aponta para inúmeros abusos no futebol inglês entre 1970 e 2005.

O relatório de 710 páginas diz que após as condenações de abusadores sexuais de crianças desde o verão de 1995 até maio de 2000, a FA "poderia e deveria ter feito mais para manter as crianças seguras". E vai além, afirma que naquela época houve um atraso significativo da FA em implementar medidas de proteção infantil suficientes no futebol. Ou seja, ela "não fez o suficiente" para manter as crianças seguras e "a proteção da criança não foi considerada uma prioridade urgente". E, mais, o relatório diz que mesmo depois de maio de 2000, quando a FA lançou uma política e um programa abrangente de proteção à criança, "erros ainda eram cometidos".

"A FA agiu muito lentamente para introduzir medidas que garantissem a segurança das crianças. Houve falhas institucionais para as quais não há desculpas ", descreve o relatório.

Além da federação, clubes também erraram na proteção às crianças. Segundo o relatório, os funcionários e dirigentes dos clubes geralmente desconheciam as questões de proteção à criança e não foram treinados em questões de proteção infantil. Além disso, eles não identificaram ou responderam a sinais de abuso potencial; e se eles estavam cientes dos sinais, eles não os examinaram com curiosidade ou suspeita.

O relatório disse que a alta administração dos clubes envolvidos estava ciente das denúncias e rumores, e nenhuma estabeleceu padrões de comportamento compatíveis com a gravidade dos fatos. Por isso, também são responsáveis.

Escândalo na ginástica norte-americana

Larry Nassar é o pivô de um dos maiores esc6andalos da história do esporte norte-americano. O médico, de 58 anos, cumpre pena de prisão perpétua depois de ter sido condenado em vários processos por agressões sexuais contra mais de 250 ginastas, a maioria menores.

Nassar foi o principal médico da USA Gymnastics por cerca de duas décadas e foi acusado por várias ex-atletas de abusos sexuais.

Em outubro de 2021, o caso teve novos desdobramentos. Após cinco anos de disputas judiciais, as vítimas do ex-médico Larry Nassar chegaram a um acordo de US$ 380 milhões (mais de R$ 2,1 bilhões) com a Federação Americana de Ginástica (USA Gymnastics), o Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos e suas respectivas seguradoras.

O acordo é um dos dos mais importantes da história para vítimas de abuso sexual nos Estados Unidos e reforça o compromisso que as entidades esportivas precisam ter na proteção de atletas e menores.

A decisão reforça que a preocupação com a saúde física e emocional do atleta também é uma responsabilidade das entidades de prática desportiva. Em função disso, ela precisa criar também mecanismos de prevenção e combate ao assédio moral e sexual.

Problema nos EUA, na Inglaterra e no Brasil

A impunidade ainda é uma realidade no Brasil quando o assunto é crime sexual contra menores. A cada uma hora, 3 crianças são vítimas de abuso no país e apenas cerca de 10% dos casos são denunciados.

Esse é um problema que acontece em casa, nas ruas, nas escolas, e dentro das entidades esportivas. Por isso, a responsabilidade é de todos.

As entidades esportivas também precisam proteger os menores. Não só porque o esporte tem o compromisso legal de ajudar na formação das crianças, mas também porque vários crimes de abusos contra menores acontecem dentro das entidades esportivas. Temos casos na natação, na ginástica, no futebol, recentemente na canoagem e por aí vai.

A realidade é triste, e condenável: a maioria das entidades esportivas que trabalham com crianças e adolescentes no Brasil não tem um programa específico de atendimento e aconselhamento para atletas de base, que ajude na conscientização, denúncia e combate a crimes de assédio e violência sexual.

O discurso de que a responsabilidade de combater esse tipo de crime é do Estado me parece mais um dos exemplos da falta de responsabilidade social de alguns de nossos dirigentes. O esporte de formação pode até ser um negócio, mas ele não pode deixar de assumir compromissos necessários quando se lida com crianças e adolescentes.

Mesmo sabendo que a prevenção é sempre o melhor caminho, existem dispositivos legais para se punir esse tipo de crime. A Lei Joanna Maranhão e a Lei Pelé avançaram nessa questão.

Mas é preciso avançar. Existem projetos importantes no Congresso que precisam ser levados adiante. Eles tratam de questões fundamentais, como registro obrigatório de clubes e escolinhas em conselhos tutelares e exigência dos formadores de certidão negativa de antecedentes criminais daqueles profissionais que irão trabalhar com as crianças e adolescentes.

A CBF expede o "certificado de clube formador", o que já é um avanço. Mas dá para caminhar mais. Ela, com treinamentos e fiscalização, pode criar uma política de combate ao assédio e efetiva assistência ao menor. Propondo debates, criando canais de denúncia, promovendo treinamentos e pedindo que seus filiados levantem essa bandeira.

Não só porque a lei determina, nem porque a vigilância aumentou. É preciso tomar esse caminho porque é o certo a fazer.

O relatório Sheldon e o caso da ginástica dos Estados Unidos são históricos e emblemáticos. Por lá e por aqui.

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