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Esporte e política não se separam, mas dá para evitar alguns encontros
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Andrei Kampff
Desta vez, o cenário foram as geladas pistas e arenas dos Jogos Olímpicos de Pequim, onde acontece a Olimpíada de Inverno 2022. O local pode até mudar, mas o esporte segue como instrumento político de força internacional.
Quando o presidente chinês Xi Jinping recebeu líderes de todo o mundo para a cerimônia de abertura dos Jogos na sexta-feira (4), foi a primeira vez que ele se encontrou pessoalmente com colegas estrangeiros em mais de 400 dias.
Um dos encontros mais comentados foi com o presidente russo Vladimir Putin. O líder russo aproveitou para mostrar força política no encontro, enquanto suas relações com o ocidente estão em ebulição em função da crise com a Ucrânia.
O esporte não se separa da política, mas é em grandes eventos que essa relação se apresenta de maneira mais evidente.
Em Olimpíadas
Em 1956, nos Jogos de Melbourne, a Guerra Fria atacou diretamente uma Olimpíada pela primeira vez. Espanha, Países Baixos e Suiça não mandaram delegação por conta da invasão soviética na Hungria, que colocou a Europa em estado permanente de atenção diante do avanço da antiga União Soviética.
Já Egito, Iraque e Líbano, envolvidos na guerra com Israel pelo Canal de Suez não foram aos Jogos em função da participação anglo-francesa no conflito. Além disso, a briga entre China e Taiwan fez com que a primeira se recusasse a comparecer devido à presença da segunda, num conflito que demoraria 28 anos para ser resolvido.
Mas em nenhum caso o movimento esportivo atuou de maneira tão firma na proteção de valores esportivos como contra a África do Sul. Por conta do Apartheid, regime de segregação que durou décadas, o país sofreu forte retaliação da comunidade esportiva internacional. Por 32 anos, foi proibido de participar de Olimpíadas e Copa do Mundo, só voltando a participar da comunidade internacional do esporte com a eleição de Nelson Mandela e o fim do regime que separava negros e brancos.
Inclusive em Montreal-1976, o Apartheid determinou um boicote aos Jogos. Um grupo de 32 países, a maioria africanos, decidiu não participar como protesto ao fato da seleção de rugby da Nova Zelândia, os famosos All Blacks, ter feito uma excursão em território sul-africano.
Já os Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 foram os que sofreram com o maior entre todos os boicotes da história. Os Estados Unidos lideraram 62 países, todos capitalistas, que se recusaram a participar da Olimpíada em protesto à invasão do Afeganistão pela União Soviética, ocorrida em 1979. O presidente norte-americano na época, Jimmy Carter, chegou a ameaçar cassar o passaporte de algum atleta do país que ousasse desafiar o boicote.
Quatro anos depois, em Los Angeles-1984, foi a vez da União Soviética e o bloco socialista boicotarem os jogos nos Estados Unidos. Ao todo, 14 países ficaram de fora dos Jogos, alegando falta de segurança para suas delegações.
Por fim, em Seul-1988, a Coreia do Norte quis sediar algumas provas da Olimpíada que aconteceria em seu homônimo capitalista. Mas a ideia dos socialistas foi recusada pelos sul-coreanos e também pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Por isso, os norte-coreanos decidiram boicotar os Jogos em protesto e foram acompanhados por Cuba, Nicarágua, Etiópia, Madagascar e Ilhas Seychelles.
No futebol
O futebol e a política também caminham juntos, nem sempre por terrenos tranquilos. Popular que é, ele foi - e é - usado como vínculo de identidade de nações em vários lugares do mundo. Com histórias fantásticas, e outras tristes.
Se na Itália campeã mundial de 1934 e 1938 os jogadores italianos tinham que saudar o fascista Mussolini, a nazista Alemanha não tolerou a "vergonha" da sua seleção ser derrotada por um time ucraniano. Os jogadores do Dínamo de Kiev foram avisados de que morreriam se vencessem a partida que aconteceu em 1942, durante a ocupação nazista na Ucrânia durante a Segunda Guerra. Os jogadores honraram chuteiras, a dignidade e a pátria, venceram a partida e morreram fuzilados com a camisa da equipe. Um monumento na Ucrânia conta essa essa história.
O poder soviético também trouxe vítimas para o esporte. Kubala, Puskas, Kocsis jogaram por times do exílio húngaro e foram punidos pela poderosa FIFA.
Na Guerra da Independência contra a França, a Argélia montou uma seleção de futebol que vestiu a camisa do país pela primeira vez, com argelinos que ganhavam a vida jogando no país colonizador. A seleção não era reconhecida pela comunidade esportiva, o que gerava uma grande dificuldade até para encontrar adversários. Só Marrocos topou enfrentar um time que representava o sentimento de uma nação. Como punição pelo jogo proibido, a seleção marroquina foi desfiliada da FIFA e os jogadores argelinos não mais jogaram profissionalmente.
Na Espanha, o ditador Francisco Franco - de 1938 a 1973 - também usava o futebol para faturar politicamente. O poderoso Real Madri, que reinou no mundo entre 1956 e 1960, era um cartão de visita da ditadura. O Barcelona era a resistência. O presidente do clube morreu pelas balas franquistas. O time catalão se tornou peregrino, um símbolo da resistência democrática para o mundo.
E seriam muitos os outros exemplos do futebol atuando em movimentos sociais importantes. Para acabar em um exemplo recente, o combate ao preconceito pela comunidade esportiva tem sido uma bandeira que tem provocado transformações significativas no esporte. Cada vez mais se reforça a natureza esportiva de proteção inegociável dos Direitos Humanos.
Mesmo assim....
A China e Direitos Humanos
Dessa vez, a China se aproveita do esporte para fazer política internacional. A estratégia é usar os Jogos para passar uma imagem à comunidade internacional que também ajude a apagar recentes denúncias que o esporte não pode ser conivente.
A China vive constantemente em conflito com entidades globais de defesa dos direitos humanos. Recentemente, elas condenaram o governo chinês por prender mais de um milhão de membros de grupos étnicos predominantemente muçulmanos na região oeste da China, em Xinjiang.
Além disso, para entidades de defesa de direitos humanos o país oriental não abraça os princípios da ampla defesa, a liberdade de expressão é cerceada, e existe discriminações de gênero, falta de liberdade de orientação sexual, religião, e ausência de democracia.
O fato é que o esporte tem na sua essência a proteção de direitos humanos. Ele nasce da ideia de integrar pessoas, de socializar, confraternizar. Mas ele foi além, e tanto a FIFA como o COI assumiram compromissos.
Depois das denúncias de compra de voltas para as sedes das Copas de 2018 e 2022, e abalada pelo escândalo do Fifagate, a entidade-mor do futebol investiu em uma agenda positiva. Ela colocou no seu Estatuto, no artigo 3, a previsão de que a "Fifa está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção dos seus direitos". Em maio de 2017, inclusive, estabeleceu uma política de Direitos Humanos.
Já o COI carrega desde a sua formação o discurso de Pierre Courbetein de combate ao preconceito e de integração social. Um dos princípios mais caros do Olimpismo é o de que "toda e qualquer forma de discriminação relativamente a um país ou a uma pessoa com base na raça, religião, política, sexo ou outra é incompatível com o Movimento Olímpico".
Agora, o movimento transnacional do esporte tem como sustentação a autonomia. Ele caminha de maneira autônoma. Assim, é fundamental que ele entenda sua natureza para decidir que rumo seguir.
O esporte tem mecanismos internos - como o poder de escolher onde fazer grandes eventos - que podem fazer com que ele não permita que determinado país se aproveite de sua força popular para perpetuar práticas que esporte jamais deve compactuar.
Se política e esporte não se separam. pelo menos é possível evitar alguns encontros.
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