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Coritiba proibido de registrar atleta expõe conflito entre lei e regra

Gabriel Coccetrone

06/07/2022 17h20

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Na última segunda-feira (4), a Justiça negou o pedido de liminar do Coritiba para realizar o pagamento do jogador argentino Ezequiel Cerutti, cuja dívida resultou em um transfer ban da FIFA, ou seja, impediu o clube de registrar novos atletas. O caso é mais um exemplo de situações onde o movimento esportivo entra em conflito com a Justiça Comum.

Especialistas consultados pelo Lei em Campo avaliaram a decisão da Justiça.

Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, avalia que no aspecto técnico, a decisão parece acertada.

"As regras públicas e associativas não se confundem. O clube, ao fazer parte dos dois ambientes, dos dois sistemas jurídicos distintos, deve cumprir as regras impostas pelos dois. Ao Judiciário brasileiro, no entanto, cabe aplicar a norma pública com relação ao pagamento das dívidas. À FIFA, por sua vez, cabe aplicar as normas associativas, desde que não sejam manifestamente ilegais. Nesse caso, o que aparenta ser um conflito de normas nada mais é do que uma sobreposição de ordenamentos distintos e independentes, com reflexos igualmente independentes", avalia.

O advogado João Paulo di Carlo, especializado em direito desportivo, destaca que o caso do Coritiba difere da grande maioria dos clubes brasileiros, uma vez que o Coxa decidiu adotar a recuperação judicial em vez do Regime Centralizado de Execuções (RCE), previsto na Lei 14.193/21, a Lei das SAF.

"Com efeito, a Recuperação Judicial é regida pela Lei 11.101/05, possui seus procedimentos próprios e é muito mais rigorosa que o RCE, inclusive com a presença de um interventor (administrador judicial), nomeado pelo juízo. Nesse sentido, podemos afirmar que essa figura tem várias funções como, por exemplo, a de fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial. No caso concreto, o Coritiba deixou de listar o crédito com o jogador argentino no plano de credores e, através de um pedido liminar, posteriormente rechaçado pelos credores do plano e negado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, intentou 'furar' a fila e pagar o atleta para retirar a sanção esportiva aplicada pela FIFA", explica.

"O judiciário nacional e os próprios clubes muitas vezes têm dificuldades para lidar com essa pluralidade normativa, mas em uma análise fria e direta, o juiz acertou no caso do Coritiba. A norma esportiva, mesmo que introduzida no ambiente nacional pela Lei 9.615/98 (Lei Pelé), não se sobrepõe às normas públicas de proteção aos credores. Por outro lado, também seria razoável se o juiz, ao observar as provas nos autos, entendesse que o risco à arrecadação decorrente da punição seria maior que eventuais prejuízos imediatos aos credores em razão do pagamento. Isso, no entanto, dependeria de uma análise financeira profunda do caso, com a construção de cenários robustos e análise de impacto, o que aparentemente não ocorreu. Sendo assim, acerta o juiz em não privilegiar um credor em detrimento dos demais, e acerta a FIFA em manter a punição ao clube", acrescenta Vinicius Loureiro.

Na decisão, o desembargador Tito Campos de Pauta, da 17ª Câmara Cível, sustentou que o pagamento de Cerutti não pode ser feito fora do plano de recuperação judicial.

Essa foi a segunda derrota que o Coxa sofreu nos tribunais na tentativa de solucionar o caso. No começo de junho, a juíza Luíza Luciane Pereira Ramos indeferiu o pedido para o clube pagar Cerutti e "furar" a fila de credores, uma vez que o jogador estaria tentando coagir o Coritiba a lhe pagar imediatamente e em condições melhores do que as ofertadas por outros credores.

João Paulo di Carlo reforça que esse não foi o primeiro e nem será o último conflito entre as normativas públicas e os regulamentos privados sobre os pagamentos no âmbito da FIFA/CNRD.

"É fundamental uma pacificação do tema, seja por meio de uma Lei ou de um pronunciamento de um Tribunal Superior, para que se possa ter uma segurança jurídica para os credores e devedores", entende o especialista.

Entenda o caso

A FIFA aplicou, no dia 2 de maio, o transfer ban ao Coritiba por uma dívida de R$ 401.056,57 com o atacante Ezequiel Cerutti.

Clube e o atleta firmaram um acordo de rescisão no dia 1º de junho de 2021, mas as parcelas atrasaram. Em fevereiro, a entidade máxima do futebol condenou o Coxa, que seguiu sem pagar o atacante. Diante da permanência da situação, a FIFA aplicou a punição.

Por conta do pedido de recuperação judicial, aceito em março deste ano, o Coritiba teve que pedir autorização para pagamento à Justiça da dívida com o jogador.

O Coritiba espera resolver o imbróglio até 18 de julho, data em que a janela de transferência do Brasil reabre. Na parte de baixo da tabela do Campeonato Brasileiro de 2022, o Coxa vai tentar se reforçar para o 2º turno da competição.

Pelo Coritiba, Cerutti fez apenas 14 jogos, com dois gols marcados entre 2020 e 2021. No ano passado, ele retornou de empréstimo o San Lorenzo, da Argentina.

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