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Especialistas analisam decisão sobre suposta sonegação fiscal de Neymar

Neymar em amistoso de pré-temporada do PSG contra o Kawasaki Frontale, no Japão - PSG via Getty Images
Neymar em amistoso de pré-temporada do PSG contra o Kawasaki Frontale, no Japão Imagem: PSG via Getty Images

Gabriel Coccetrone

29/07/2022 13h19

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O Tribunal Federal Regional da 3ª Região (TRF-3) concedeu, nesta quinta-feira (28), habeas corpus para suspender o processo criminal investigatório contra Neymar pelo suposto caso de sonegação fiscal no Brasil. Com isso, o atacante do PSG e da seleção brasileira não poderá ser processado ou preso pelo crime.

A defesa do jogador, representada pelo advogado Davi Tangerino, alegou —leia a íntegra da nota ao final da matéria— que não havia mínima certeza quanto à existência de um fato criminoso (justa causa), tampouco possibilidade de o MPF buscar uma condenação (interesse de agir).

A decisão liminar não encerra o processo, que corre desde 2014, e diz respeito à multa aplicada pela Receita Federal no valor de R$ 188 milhões por sonegação fiscal. Em 2015, Neymar chegou a ter bens bloqueados pela Justiça após uma solicitação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

De acordo com a Receita Federal, Neymar é acusado de sonegar impostos durante os anos de 2011 e 2013, principalmente em relação aos pagamentos feitos pelo Barcelona em sua transferência do Santos.

Em 2015, a Receita apontou que houve sonegação de R$ 63,6 milhões por parte do jogador. Na ocasião, foi listado omissão de rendimentos de fontes do exterior com publicidade e "omissão de rendimentos oriundos de vínculo empregatício pagos pelo Barcelona". Essa quantia teria sido recebida pelas empresas 'N&N Consultoria Esportiva e Empresarial' e 'Neymar Sports', mas a Fazenda Nacional alegou que foi tributado de forma incorreta, uma vez que o rendimento é dele como pessoa física.

Cerca de cinco anos depois, mais especificamente em maio de 2020, a Justiça anulou a cobrança depois que Neymar entrou com uma ação para suspender o débito até que o processo fosse julgado. A PGFN então decidiu recorrer da decisão para voltar a exigir o valor. Não se tem informações sobre o status atual da ação, porém, sabe-se que no ano passado, o atacante depositou R$ 88,8 milhões em juízo como forma de garantia à execução.

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Superintendência da Receita Federal, em Brasília.
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Sob o ponto de vista tributário, a decisão está correta?

"Sim, embora a decisão seja inédita, vejo como extremamente pertinente e acertada. Ressalta-se que além da liminar concedida em face do atleta, sua defesa alega ter feito o depósito integral do valor em ação de execução fiscal, sendo estas hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário conforme previsão expressa no artigo 151 do CTN (Código Tributário Nacional)", analisa o advogado Bruno Coaracy, especialista em direito tributário e colunista do Lei em Campo.

"Cumpre mencionar ainda que além do HC e do depósito feito, os tributos já foram pagos pelo atleta na Espanha, o que se busca em verdade é que seja apenas compensado no Brasil em obediência ao Tratado firmado entre Brasil e Espanha que visa evitar a Bitributação, logo, qualquer postura contrária se apresenta como gravíssima afronta ao texto legal do respectivo acordo internacional", acrescenta.

O advogado Rafael Marcondes, especialista em direito tributário e colunista do Lei em Campo, segue o mesmo entendimento e também concorda com a decisão judicial.

"Considero acertada a decisão do TRF-3 ao conceder HC para suspender procedimento criminal investigatório movido contra Neymar. A ação penal proposta contra o jogador tem na sua origem o crime de sonegação fiscal. O atacante, por supostamente deixar de pagar tributos, foi acusado de ter cometido crime contra a ordem tributária. Esse tipo de infração, guarda uma peculiaridade, o pagamento do valor devido extingue a punibilidade do indivíduo. Em outras palavras, uma vez paga a dívida com o poder público, tanto o processo tributário quanto o criminal devem ser extintos", afirma.

Marcondes diz que "por mais recriminável que seja a conduta de não pagar impostos, o interesse maior do Estado é receber o tributo, e uma vez pago (desde que com multas e juros), ainda que fora do tempo, o motivo que gerou a punição na esfera criminal, deixa de existir".

"No Brasil, vale lembrar, a privação de bens e/ou da liberdade é medida extrema, que deve ser evitada. Esse é o entendimento majoritário nos Tribunais Superiores atualmente. No caso de Neymar, é bem verdade, ainda não houve o pagamento dos valores que são cobrados pelo Fisco, o que impede a extinção da sua punibilidade. No entanto, como ele optou por depositar integralmente os valores devidos, em termos práticos tem-se que, se o atleta perder a ação tributária, esse dinheiro será revertido em benefício do Estado e a sua dívida quitada, ato contínuo, qualquer pretensão punitiva de natureza criminal, deixa de ter razão de existir", afirma.

"Por outro lado, se o atleta ganha a discussão tributária, conclui-se pela inexistência de crime tributário e, por consequência, o dinheiro que está depositado em juízo é restituído ao jogador. Sem crime contra a ordem tributária, também deixa de haver razão para o prosseguimento da ação penal. Por essas razões de fato não há como o MPF punir o atleta e a decisão do Tribunal em suspender o procedimento criminal foi correta", acrescenta Marcondes.

Sob o ponto de vista criminal, o que representa a decisão do TRF-3?

"O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é a busca de consenso antes de iniciada a ação penal, justamente para evitá-la. Trata-se de resultado de nova legislação. Um dos pressupostos é que o fato objeto de análise seja, em tese, criminoso. Naqueles casos que o fato não poderia dar origem à denúncia criminal, não poderia ser proposto o ANPP. Em temas de crimes tributários, há hipóteses de extinção e suspensão de punibilidade. Nestes casos, o processo não poderia tramitar. Se não poderia haver processo, o Ministério Público não poderia sequer oferecer o ANPP", explica Rafael Canterji, advogado especializado em direito penal.

Julgamento na Espanha

A decisão do TRF-3 ocorre um dia depois que o jornal 'El País' noticiou que Neymar será julgado pela justiça espanhola, em sete sessões (entre 17 e 31 de outubro), por corrupção em seu contrato de transferência do Santos para o Barcelona, em 2013. A promotoria pede dois anos de prisão para o brasileiro e o pagamento de multa de 10 milhões de euros (R$ 54,2 milhões).

O Barcelona é listado como pessoa jurídica no processo e o Ministério Público cobra o pagamento de 8,4 milhões de euros (R$ 45 milhões). Além do atacante, outras cinco pessoas serão julgadas: seus pais (Neymar e Nadine Gonçalves), dois ex-presidentes do clube catalão (Sandro Rosell e Josep Maria Bartomeu) e um ex-diretor do Santos (Odílio Rodrigues).

O julgamento é resultado de uma denúncia apresentada pelo Grupo DIS, empresa que tinha 40% dos direitos de Neymar quando ele atuava no Santos. A DIS afirma que um contrato de 40 milhões de euros foi assinado entre o jogador e o Barcelona sem conhecimento da empresa, e, por isso, as partes teriam quebrado as regras de livre concorrência no mercado de transferências,

É importante esclarecer que esse caso não tem qualquer relação com o processo que corre no Brasil, na qual Neymar obteve a liminar.

Confira a íntegra da nota divulgada pela assessoria de Neymar:

"O Tribunal Federal Regional da 3ª Região concedeu hoje (28) habeas corpus para suspender procedimento criminal investigatório, em que o Ministério Público Federal propôs acordo de não persecução penal (ANPP) a Neymar Júnior, por pretenso crime contra a ordem tributária, na pendência de duas ações tributárias.

A defesa do jogador, Davi Tangerino Advogados, sustentou que não havia mínima certeza quanto à existência de um fato criminoso (justa causa), tampouco possibilidade de o MPF buscar uma condenação (interesse de agir). Essas condições da ação hão de estar presentes também quando da oferta de ANPP, uma vez que o acordo é uma alternativa ao oferecimento de denúncia. A justa causa desaparece diante de antecipação de tutela em ação anulatória, patrocinada por Neder e Romano Advogados, que reconheceu que a Receita Federal de Santos não poderia recusar a compensação de imposto de renda de pessoa física paga em nome de Neymar Júnior na Espanha, contrariando a determinação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Não há interesse de agir, por sua vez, diante do depósito integral realizado em ação de execução fiscal, já que independentemente do mérito da decisão judicial, o MPF não poderá buscar punição criminal na Justiça: ou bem tem razão o contribuinte - e, portanto, não há crime -, ou bem tem razão a Fazenda e o depósito se converte em renda definitiva, levando à extinção da punibilidade criminal.

A decisão é um marco relevante na compreensão do ANPP, particularmente nos crimes tributários, bem como no reconhecimento de possíveis efeitos penais para outras hipóteses de suspensão de exigibilidade, como o depósito e a antecipação de tutela. Seria marcadamente autoritário ameaçar com Direito Penal aquele que exerce seu direito constitucional elementar de pagar sim tudo quanto seja devido, porém apenas quanto seja devido"

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