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Alvo de críticas, arbitragem se organiza em busca de "independência"

Gabriel Coccetrone

11/08/2022 09h49

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Não é de hoje que a arbitragem brasileira é alvo de críticas, porém, elas se intensificaram nos últimos meses devido aos inúmeros erros constatados, inclusive, pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). No último domingo (8), a categoria deu o primeiro passo para sua sonhada independência. Em Assembleia Geral da ANAF (Associação Nacional de Árbitros de Futebol), 24 sindicatos e associações estaduais presentes no encontro reforçaram, de forma unânime, a constituição da FENAF (Federação Nacional de Árbitros de Futebol).

Para a ex-árbitra Renata Ruel, a independência da arbitragem é fundamental, sendo necessário desvincular a arbitragem das federações e confederações, assim como é na Inglaterra".

"A FENAF pode até ser o primeiro passo, mas é necessário muito mais. Muito se fala em profissionalizar a arbitragem, a Lei 12.867 - que regula a profissão de árbitro de futebol - existe desde outubro de 2013 e nada mudou. A nossa arbitragem ainda é amadora, o processo desde a escola de árbitros apresenta falhas, automaticamente é necessária gestão profissional também", afirma a comentarista de arbitragem dos canais ESPN.

"Não é porque a pessoa foi excelente árbitro ou do quadro da FIFA que será um ótimo gestor. E para a arbitragem se tornar profissional em todas as esferas também é preciso o apoio de todas as esferas que trabalham com o futebol", acrescenta Renata Ruel.

O advogado Vinicius Loureiro, especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, não acredita que essa união seja capaz de melhorar a arbitragem nacional, muito pelo contrário.

"Isso tende a aumentar o corporativismo e a proteção aos maus árbitros. Como em todo mercado, o que poderia aumentar a qualidade da arbitragem é o aumento do número de profissionais e o volume de treinamentos, o que permitiria que a exigência sobre os profissionais fosse maior, e que aqueles que tivessem menos qualidade técnica ficassem pelo caminho. Outro ponto que tende a ajudar na melhoria da arbitragem é o aumento da transparência e, nesse sentido, a independência da arbitragem pode ser positiva. Sem que os árbitros estejam sob sua responsabilidade, a CBF poderá cobrá-los de forma mais transparente, sem temer ser responsabilizada pelos erros dos árbitros. Além das cobranças, outro ponto que é fundamental para a melhoria da arbitragem é a transparência nos critérios de escalação e rankeamento dos melhores árbitros, algo que também pode melhorar caso estes sejam independentes da confederação", analisa.

"Apesar dos pontos negativos que o corporativismo deverá trazer, afastar os árbitros da CBF permitirá que uma pressão maior seja feita sobre eles, o que tende a melhorar a qualidade da arbitragem. Mas passo fundamental para a melhoria da arbitragem é o aumento no número de cursos de formação, que permitirá um maior número de árbitros formados e com isso os árbitros de menor qualidade não precisarão ser utilizados", complementa o advogado.

Durante a Assembleia, cinco estados, de posse de suas respectivas cartas sindicais, apresentaram a intenção de criação da Federação, são eles: Ceará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. A proposta foi aprovada por todos os demais sindicatos.

"Um momento histórico para nós, que esperamos 25 anos por isso. No momento de caos a ordem foi reestabelecida. A Federação vem para lutar de igual para igual com a CBF. A única diferença é o orçamento. Estamos usando de todas as estratégias possíveis para que o árbitro brasileiro venha a ser valorizado. Agora com um detalhe: uma representatividade legítima dentro do campo judicial, com todas as armas possíveis. Com as contratações perfeitas que fizemos para que possamos ter êxito e possamos de fato abraçar e ser abraçado pelos árbitros brasileiros", ressaltou Salmo Valentim, presidente da ANAF.

"As entidades estão de parabéns. De 27 estados, estamos aqui com 24. Isso mostra a união, mostra que tudo que temos feito até agora tem credibilidade. Apesar da CBF não respeitar as entidades legitimadas, mas os representantes de classe mostraram que estão dispostos a libertar o árbitro brasileiro dessa escravidão que perdura há tanto tempo na mão da CBF e das federações", acrescentou.

"Eu quero agradecer em público ao presidente da CBF (Ednaldo Rodrigues) por ter tomado a decisão de romper com a ANAF. No rompimento dele, ele nos deu o que estávamos precisando há muito tempo: a nossa carta de alforria. A arbitragem precisa andar sozinha, a arbitragem não precisa de migalhas para sobreviver", disparou o presidente da Associação.

Fizeram parte da mesa da Assembleia Geral, além de Salmo Valentim, o presidente da FPF (Federação Pernambucana de Futebol), Evandro Carvalho, o presidente do TJD-PE (Tribunal de Justiça Desportiva de Pernambuco), Berillo Júnior, a vice-presidente do Sapfepe (Sindicado dos Árbitros Profissionais de Pernambuco), Danielle Andrade, os advogados Gislaine Nunes e José Carlos Feliciano, e o ex-árbitro e assessor do Governo do Espírito Santo, Wallace Valente.

"Estamos vivendo um momento de divisor de águas para a arbitragem brasileira. Nunca foi dado um grito como esse pelos árbitros. No futuro, vão lembrar desse dia", afirmou Wallace Valente.

Menos profissionais escalados e mais concentração das escalas na Série A

O 1º turno da Série A do Campeonato Brasileiro deu oportunidades a menos profissionais de arbitragem do que nas primeiras 19 rodadas da temporada do ano passado, aumentou a concentração das escalas em representantes do eixo Sul-Sudeste e praticamente não teve a participação de mulheres na competição. Essas constatações são da ANAF, por meio do Mapa da Arbitragem, com base nas 190 escalas iniciais da elite do futebol brasileiro.

Nas primeiras 19 rodadas do Brasileiro de 2022, entraram em campo 26 árbitros e 53 assistentes, enquanto no da temporada passada fora 38 e 74, respectivamente. Na cabine do vídeo, também houve diminuição: de 24 para 22 VARs e de 33 para 25 assistentes de VAR.

Em comparação à temporada passada, a concentração de árbitros do eixo Sul-Sudeste subiu de 70,5% para 73,2% em 2022. No caso dos assistentes, o aumento foi ainda pior: de 65,7% para 74,5%.

"Esses números são uma agressão a quem sonha e luta por uma arbitragem verdadeiramente nacional. Está claro para nós que o sotaque e o gênero têm pesado mais do que a competência na hora de serem feitas as escalas. Se estivermos errados nessa avaliação, desafiamos a CNA (Comissão Nacional de Arbitragem) a mostrar os critérios que têm embasado as suas decisões na hora de distribuir as oportunidades para os árbitros na Série A do Brasileiro", encerrou Salmo Valentim.