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Regra do futebol proibindo cabeceio de menor de 12 anos tem base científica

Gabriel Coccetrone

18/08/2022 04h00

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A IFAB (International Football Association Board) deu mais um importante passo na busca pela proteção dos atletas. Em 8 de agosto, o órgão regulador do futebol enviou um comunicado para as federações em que proíbe jogadores menores de 12 anos de idade de cabecear a bola intencionalmente durante as partidas. A nova determinação é parte de um ensaio realizado pela entidade e atende a recomendações e pesquisas da área médica sobre o desenvolvimento de doenças neurológicas no futuro em decorrência do impacto constante na cabeça.

Esse tema é constantemente abordado pelo Lei em Campo devido sua gravidade. Especialistas ouvidos consideram a medida adotada pela IFAB como um passo necessário e importante para o futebol.

"A decisão é um ótimo primeiro passo no caminho certo. Já há indícios médicos suficientes para que as cabeçadas sejam proibidas não apenas para os menores de 12 anos, mas para todos os atletas, especialmente aqueles com menos de 25 anos. Ainda não é suficiente, mas já vai de encontro a um problema que ultrapassa as fronteiras do esporte profissional", avalia Vinicius Loureiro, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

"Essa recomendação vai de encontro com a discussão científica atual de que impactos repetidos na cabeça resultariam em declínio cognitivo precoce e Encefalopatia Traumática Crônica (ETC) no futuro. Um dos fatores epidemiológicos associados à ETC e apontados por alguns pesquisadores é a idade de início à exposição aos impactos repetidos na cabeça. Quanto mais jovem, maior o risco. Aqui podemos citar como exemplos: o tackle, no rugby e no futebol americano, o body checking no hóquei e os cabeceios de bola no futebol", afirma o professor e PhD Hermano Pinheiro, fisioterapeuta esportivo e neurofuncional.

Andrei Kampff, advogado, jornalista e autor dessa coluna, diz que "o esporte muda a partir de provocações, que servem para aprimorar o jogo, ou melhorar a segurança de quem joga. Essas provocações surgem a partir de processos judiciais, de tragédias, mas também do entendimento científico e humano de que o esporte precisa proteger a saúde de quem pratica. Esse entendimento é fundamental para o jogo e para o Direito Esportivo. Para preservar o futebol do jeito que é, e proteger a saúde dos atletas, a ciência terá que ajudar, apontando caminhos na proteção de quem joga."

No documento enviado às federações de futebol, a IFAB cita os possíveis problemas neurológicos que a cabeçada pode trazer para os jovens jogadores no futuro, uma vez que seus corpos, cérebros e atividades motoras ainda estão em desenvolvimento/formação antes dos 12 anos.

"O córtex pré-frontal não está totalmente desenvolvido na criança ou mesmo no adolescente. Essa área do cérebro só completa a sua maturação por volta dos 25 anos de idade. Trata-se de uma área importante para o controle da impulsividade e tomada mais assertiva de decisões na vida diária. Dessa maneira, não apenas as concussões cerebrais mas também qualquer tipo de impacto na cabeça em crianças deve ser discutido seriamente e minimizado. Muitas dessas crianças não seguirão carreira profissional no futebol e também não possuem condições de assumir riscos como um atleta adulto", explica Hermano Pinheiro.

"Vejamos no Brasil, quantas crianças frequentam escolinhas de futebol e treinam cabeceio. Destas, um percentual mínimo vira atleta profissional, mas todas as outras estão expostas aos riscos e traumas neurológicos. Além dos riscos e impactos individuais, você tem também os impactos coletivos e sociais, especialmente pelo volume de pessoas expostas. Se considerarmos o percentual de danos apontado nas últimas pesquisas médicas, além de um aumento no custo da saúde pública decorrente de tais lesões, temos também uma redução nas capacidades intelectuais e cognitivas médias da população, o que traz consigo uma série de outros problemas, que vão desde a redução da competitividade internacional da mão de obra até questões estratégicas de desenvolvimento nacional", acrescenta Vinicius Loureiro.

A nova regra prevê que, para casos de cabeceio proposital, o árbitro deve marcar falta. No entanto, a infração não deve ser punida com cartão amarelo ou vermelho, a não ser que:

- interfira em um ataque promissor (cartão amarelo);

- seja praticada persistentemente (cartão amarelo);

- evite um gol ou chance manifesta de gol (cartão vermelho).

Apesar de considerar extremamente importante, o advogado Vinicius Loureiro acredita que dificilmente essa regra seja estendida para outras faixas etárias.

"Não vislumbro uma ampliação dessa proibição, tendo em vista que as alterações nas regras do futebol sofrem muita resistência, mas vejo que ao menos há uma preocupação inicial, que pode ser com a saúde dos atletas ou com os cofres das entidades, já que a responsabilização em razão dos danos neurológicos pode facilmente ultrapassar a casa dos bilhões de dólares, como já visto por exemplo na NFL, uma liga com abrangência e número de praticantes muito menores que o futebol", afirmou o especialista.

Devido a esses choques de cabeça, a NFL sofreu com uma avalanche de processos. Tudo teve início depois que o médico Bennet Omalu fez uma pesquisa profunda e concluiu que a doença degenerativa em vários ex-atletas de futebol americano, chamada ETC, havia sido causada pelos golpes que eles haviam recebido na cabeça durante suas carreiras.

Omalu passou a compartilhar seus dados com a NFL, que negou qualquer tipo de relação e os pedidos do médico por mais segurança aos atletas. No entanto, outros estudos reforçaram a tese da relação da concussão com a doença. Diante disso e entendendo ser vítimas de negligência da Liga, atletas recorreram à Justiça.

Baseada na ciência, a Justiça também entendeu que a NFL era responsável pela saúde dos atletas. A poderosa liga norte-americana chegou a pagar cerca de US$ 1 bilhão em processos e, então, finalmente decidiu criar novas regras de segurança, inclusive com o "Protocolo de Concussão".

Federação Inglesa tomou a iniciativa

Em julho deste ano, a Federação Inglesa de Futebol (FA) conseguiu uma aprovação da IFAB para testar a regra que proíbe a cabeçada para crianças menores de 12 anos em competições e ligas das categorias de base.

O pedido teste feito pela federação ocorreu após a mesma dar início a um estudo em que busca analisar a possibilidade de uma ligação entre o cabeceamento repetitivo de uma bola e doenças neurodegenerativas, como a ETC.

O tema passou a ser bastante discutido no país depois que alguns ex-jogadores foram diagnosticados com demência severa. Caso o teste tenha resultado positivo, a FA pedirá à IFAB uma mudança permanente na regra para categorias abaixo dos 12 anos a partir da próxima temporada.

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