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FIA contraria essência do esporte ao proibir manifestações de pilotos
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Mensagens em defesa dos direitos humanos, de combate ao racismo e contra a LGBTfobia nas corridas automobilísticas? A partir deste ano somente com autorização da Federação Internacional de Automobilismo (FIA). No final de 2022, a entidade fez uma importante atualização no Código Esportivo Internacional para a temporada 2023, passando a permitir manifestações políticas e religiosas somente mediantes à prévia aprovação. A decisão está gerando polêmica e debates nas redes sociais.
"A liberdade de expressão compreende um direito fundamental. A questão quando uma entidade de administração desportiva estabelece uma regra é se há supressão de direitos, se uma entidade privada ou pública poderia impedir a livre manifestação de ideias, assim como o exercício de qualquer outro direito preconizado em lei, ou na Constituição Federal. Nesse caso é, além da objetividade jurídica que se pretende as regras impostas pelas entidades desportivas, que limitam a expressão dos integrantes que a esta pertencem, deve-se analisar o contexto em que o esporte encontra-se inserido em uma sociedade, sobretudo em uma época onde informações se transmite muito rapidamente, comentários a respeito dos acontecimentos são difundidos globalmente com muita velocidade", diz Ana Mizutori, advogada especializada em direito desportivo.
O advogado Carlos Henrique Ramos afirma que esse caso é mais um "paradoxo curioso".
"É compreensível que as entidades de administração do desporto (federações) queiram evitar manifestações políticas nos espaços de competições, exatamente para manter a clássica neutralidade, evitando que o esporte seja contaminado por valores outros que possam macular seu escopo principal, até pela dificuldade de controlar o teor de tais manifestos. Nesse sentido, sob o ponto de vista estritamente legal e da estrutura piramidal do esporte, há o poder das federações para impor tal proibição nos seus respectivos regulamentos. Por outro lado, sob o prisma social mais amplo, parece salutar que atletas mais engajados possam usar sua visibilidade e poder de influência reivindicar questões amplas com base na igualdade, não discriminação e nos direitos humanos. As entidades declaram em seus estatutos que abraçam os direitos humanos e, ao mesmo tempo, insistem em manter uma suposta e utópica neutralidade, a qual foi abandonada pelas entidades por ocasião da Guerra da Ucrânia, por exemplo", afirma o especialista em direito desportivo.
O artigo 12.2.1 do Código Esportivo Internacional afirma que violará as regras "a realização e exibição geral de declarações ou comentários políticos, religiosos e pessoais que estejam claramente violando o princípio geral de neutralidade promovido pela FIA em seus estatutos, a menos que previamente aprovados por escrito pela FIA para competições internacionais ou pela ASN (Autoridade Esportiva Nacional), para competições internacionais dentro da sua jurisdição".
A regra é válida para todas as categorias que são homologadas pela FIA, incluindo a Fórmula 1. Agora, a entidade quer ter ciência do que determinado piloto ou equipe pretende pintar em capacetes, carros e até camisetas para, então, emitir uma aprovação oficial por escrito.
Essa não é a primeira tentativa da FIA de impedir manifestações políticas. Em 2020, a entidade proibiu que os pilotos usassem camisetas por cima dos macacões ao subirem no pódio, tornando obrigatório o uso da vestimenta de corrida fechada até o pescoço durante as premiações.
A determinação ocorreu pouco depois do GP da Toscana, quando o heptacampeão Lewis Hamilton, um dos principais pilotos engajados nas causas sociais, usou uma camisa pedindo a prisão dos policiais responsáveis pelo assassinato de Breonna Taylor - uma mulher negra que foi morta à tiros após oficiais entrarem na casa dela em busca de seu ex-namorado.
Outro piloto acostumado a se manifestar publicamente durante as corridas é Sebastian Vettel. Em junho do ano passado, o alemão protestou contra a extração de petróleo no GP do Canadá. Antes disso, ele já havia protestado diversas vezes, como no GP da Arábia Saudita, quando usou um tênis com as cores do arco-íris, símbolo LGBTQIA+. O país criminaliza a homossexualidade, com penas que podem chegar até à execução.
Para Ana Mizutori, ao adotar uma medida como essa, a FIA escolhe o caminho da neutralidade.
"Assim como ocorre no COI (Comitê Olímpico Internacional), entidade máxima de administração dos esportes olímpicos, por meio da sua Regra 50 da Carta, essa parece ser mais uma modalidade que optou um caminho de neutralidade, justamente para que a expressão de um não ofenda outros. A ideia de uma pessoa que a expõe, não diminua o pensamento e ideais de um terceiro. Com isso, muitas pautas deixam de ser suscitadas e debatidas, ainda que sejam assuntos de extrema relevância. Tendo o esporte um papel social fundamental, sendo os integrantes figuras de importante influência, imagina-se ser o local adequado é ideal para propagar ideias, levantar questões a serem enfrentadas, realidades a serem melhoradas", analisa a advogada.
A especialista afirma que "existem fatores como os comerciais que implicam determinados posicionamentos". "Em termos legais, sendo a entidade de administração desportiva uma associação privada, a qual estabelece regras para que os integrantes possam desta se filiar e participar de suas competições, permite-se regras dessa natureza".
Por fim, Carlos Henrique Ramos entende que a entidade automobilística deveria ter um caráter intermediário, conforme preza a recente flexibilização da regra 50.2 da Carta Olímpica.
"A FIA parece estar na mesma encruzilhada que a FIFA ao realizar a Copa do Mundo no Qatar. Ao mesmo tempo em que pretende resguardar direitos humanos, insiste na realização de eventos em países governados por regimes autoritários. E a 'mordaça' acaba imposta para evitar questionamentos. Talvez a solução deva ser de caráter intermediário, nos moldes daquilo que vem sendo implementado pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), que flexibilizou a regra 50.2 da Carta Olímpica para permitir eventuais manifestações de cunho político em reuniões, entrevistas, redes sociais e antes das competições, sendo excepcionados os espaços de pódio e cerimonias oficiais", finaliza.
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