Desinformação e preconceito: dois inimigos dos direitos humanos em Paris
"Diálogo bobo
- Abandonou-te?
- Pior ainda, esqueceu-me."
O poeta gaúcho Mario Quintana era um mestre em dialogar. E, mais, em jogar na nossa cara a importância de colocar em prática esse verbo. Taí um ensinamento indispensável para o esporte, principalmente quando se fala em atleta transgêneros ou intersexo. Aqui, há um conflito que exige muita conversa e reflexão para proteger direitos universais e manter o equilíbrio esportivo.
O que me parece indiscutível é que o esporte não pode ser palco para o preconceito e a discriminação. Mas tem sido e Paris já fez uma vítima, a boxeadora Imane Khelif. A campeã olímpica na categoria até 66 kg foi massacrada virtualmente por ser quem é.
Ela é uma mulher desde que nasceu, se entende como mulher e sempre participou de competições entre mulheres. Mas foi chamada de "homem", "transexual, "covarde" e por aí vai após ganhar a medalha de ouro e por ter cromossomo XY, normalmente associado aos homens, mas também característico das pessoas intersexo.
Mas antes de avançar, vamos combinar o seguinte.
- atleta transgênero não é homem;
- intersexo é diferente de trans;
- direitos humanos são intrínsecos ao esporte
Ainda vem uma série de pré-requisitos para a discussão começar a ser séria e humanizada. Mas entendendo isso, dá para avançar.
Mas entenda, a discussão precisa ser livre de preconceitos, crenças religiosas e paixões.
Qual a diferença de intersexo e transgênero?
Pessoas intersexo têm uma condição em que tem órgãos genitais femininos, mas tem cromossomos sexuais XY (que normalmente determinam o sexo masculino) e níveis de testosterona no sangue geralmente compatíveis com o corpo masculino.
A situação é diferente do transgênero. Neste caso, a pessoa não se reconhece no sexo que nasceu. Este não é o caso de Imane.
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Quero receberA discussão sobre atletas transgêneros e intersexo no esporte não é nova. Ela tem sido um dos grandes desafios do esporte ao longo dos anos.
Por que?
Porque coloca em análise dois pilares do direito desportivo: direito universal da não discriminação e o direito ao equilíbrio entre os competidores
Qual a missão?
Proteger direitos humanos tentando preservar o equilíbrio esportivo. Por isso, esporte vem aperfeiçoando regras, provocado pela luta de atletas, por decisões de tribunais estatais e pelo entendimento da natureza inclusiva do esporte. Esporte não se afasta do direito e direito tem como pilar a proteção de direitos humanos protegidos internacionalmente.
As conquistas são muitas nos últimos tempos na área da inclusão. Mas o equilíbrio esportivo e a integridade dos competidores precisam sempre estar no foco na análise. Equilíbrio esportivo é pilar do esporte porque protege incerteza do resultado.
O que fazer?
Usar a ciência como aliada é um caminho. Esporte tem feito isso e avançado nas regras internas. Um dos avanços foi mudar foco de análise. Antes atleta trans ou intersexo precisava comprovar que não teria grande vantagem competitiva. Hoje, é esporte precisa comprovar essa vantagem. O ônus da prova inverteu. Além disso, foram criadas regras de transição (para transgêneros) e controle de hormônios para preservar equilíbrio e direitos humanos.
Em contraste com políticas prejudiciais e excludentes, o Quadro do COI sobre Justiça, Inclusão e Não Discriminação oferece aos organismos esportivos critérios de elegibilidade baseados em direitos humanos universais. Afinal, direito e esporte não se afastam.
Portanto, atletas intersexo ou mesmo transgêneros em Paris não infringiram nenhuma regra e estão dentro dos critérios de elegibilidade estabelecidos pela competição. A onda de preconceito que tomou conta do mundo, além de ser desconectada da realidade, reforça nosso déficit civilizatório.
Inclusive a boxeadora italiana Angela Carini - que desistiu da luta contra a argelina - recentemente se desculpou com Khelif dizendo "Toda essa controvérsia me deixa triste... Se o COI disse que ela pode lutar, eu respeito essa decisão."
Entendo que ninguém pode ser punido por ser quem é. O desafio do esporte é incluir, abraçar e não segregar e afastar. Depois disso, encontrar caminho que preservem o equilíbrio entre competidores. Não é um desafio fácil, mas necessário.
O debate está aberto e segue pulsando no ambiente esportivo. O caso do boxe gera irritação e vai provocar mais debate. Debate gera aprendizado e aprendizado gera avanços.
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