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Caso Diarra deve mudar transferências de atletas no mundo e no Brasil

Na semana passada escrevi aqui nesta coluna que uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) deveria revolucionar as transferências no futebol. A mudança já está em curso e deve atingir o clube que você torce.

A FIFA disse nesta segunda (14) que vai iniciar um grande debate a respeito do artigo 17 do Registro de Transferência de Atletas (RSTP). Esse artigo é aquele que impede que atleta saia de um clube tendo contrato em vigor para jogar em outro sem pagamento de multa.

Esse dispositivo foi derrubado por uma decisão do Tribunal Europeu no julgamento do caso de Diarra, ex-jogador francês. Isso acendeu um sinal de alerta para todo o sistema do futebol.

Se aconteceu com Diarra, pode acontecer com todos os jogadores da Europa e, depois, no mundo.

Ou seja, Vini Jr que tem multa de 1 bilhão poderia deixar o Real sem pagar nada e depois negociar multa na Justiça?

Em tese, sim.

O que o Tribunal decidiu no caso Diarra.

Trecho do acórdão do caso Lassana Diarra sobre a falta de possibilidade da FIFA impedir transferência de um atleta para outro clube: "da possibilidade de interdição de transferência, inscrição por um novo clube contratante de um jogador, por este não ter quitado solidariamente os valores da cláusula indenizatória do vínculo contratual anterior extinto".

Ou seja, o Tribunal entende que a FIFA não pode limitar a circulação de trabalhador, nem impedir acesso ao trabalho de um empregado da bola.

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A decisão também destaca:

1- As regras em questão impedem a livre circulação de jogadores de futebol profissionais que desejam desenvolver sua atividade indo trabalhar para um novo clube.

2- Essas regras impõem riscos legais consideráveis, riscos financeiros imprevisíveis e potencialmente muito altos, bem como riscos esportivos importantes para esses jogadores e clubes que desejam empregá-los, que, juntos, são tais que impedem as transferências internacionais desses jogadores.

A decisão tem por base a proteção da livre circulação de trabalhadores e o princípio da liberdade de trabalho.

Os dois princípios estão garantidos na Carta de Direito Fundamentais da União Europeia (CDFUE), como também na Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e no art. 6o do Pacto Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU).

No Brasil, também se poderia buscar esses princípios na Constituição Federal e em Tratados Internacionais, como o art. 6.1 da Convenção Americana de Direito Humanos (CADH). "Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas".

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O caso Diarra

Em 2014, Lassana Diarra, ex-volante do Real Madrid, Chelsea e PSG, teve seu contrato rescindido pelo Lokomotiv Moscou, da Rússia, quando ainda tinha mais um ano de vínculo. O jogador não reconheceu a rescisão, mas, mesmo assim, foi condenado a pagar uma indenização.

O Lokomotiv afirmou que Diarra não cumpriu seu contrato e exigia 20 milhões de euros (R$ 124 milhões) perante a Câmara de Resolução de Disputas (DRC) da FIFA e a Corte Arbitral do Esporte (CAS).

A Câmara de Resolução de Disputas da FIFA condenou Diarra a pagar 10,5 milhões de euros ao Lokomotiv. Após a decisão, o ex-jogador recorreu ao TJUE.

Por conta dessa briga jurídica com o clube russo, Diarra ficou um ano longe dos gramados. O ex-jogador alegou que a situação prejudicou sua carreira, uma vez que possíveis equipes interessadas se afastaram de um acerto com o francês por conta da indenização devida ao Lokomotiv Moscou, conforme previsão no RSTP.

Claro que a decisão tem força para o caso concreto, mas deve desencadear um efeito cascata na Europa e passar a ter efeito vinculante.

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Por isso, não seria um absurdo a gente comparar esse caso ao Caso Bosman.

Caso Bosman

Em 1990, Bosman tinha 26 anos quando o contrato dele com o Liège chegou ao fim. O clube belga fez uma proposta de renovação, mas com uma redução grande de salário. O jogador não aceitou e tentou ir para o Dunkerque, da França. O negócio não evoluiu porque, mesmo sem contrato em vigor, o Liège exigiu um valor para liberar Bosman e o clube francês não tinha como pagar.

Bosman ficou preso.

O clube que tinha o passe não renovou o contrato e ele não pode ir para outro clube. Ficou refém de um clube sem receber. Uma escravidão profissional.

Para ter liberdade de trabalhar, comprou uma briga judicial gigante: contra todo o sistema associativo do futebol. A luta não era apenas contra a federação belga, mas também contra UEFA e FIFA.

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Advogados do atleta entraram com uma ação na Corte Europeia de Justiça, que fica em Luxemburgo, solicitando liberação, tendo como base o Tratado de Roma, que explicitava o direito do trabalhador à livre circulação na Europa.

O Tribunal Europeu precisava resolver esta questão: os artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma de 25 de março de 1957 deveriam ser usados para impedir que um clube de futebol exigisse e recebesse o pagamento de um montante em dinheiro pela contratação, por um novo clube empregador, de um dos seus jogadores cujo contrato tenha chegado a termo?

No dia 15 de dezembro de 1995, o Tribunal Europeu aceitou o pedido de Bosman. O Tribunal entendeu que o Tratado de Roma é aplicado ao futebol. Ou seja, a lex publica, nesse entrelaçamento com a lex sportiva, se sobrepôs.

A decisão detonou uma regra básica das relações entre atletas e agremiações na União Europeia, uma espécie de superação sem fronteiras: terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube. Ou seja, o jogador de futebol passou a ter o direito de circular livremente pela Europa, sem ser mais "mera mercadoria".

E a revolução não parou por aí. Os jogadores de futebol nascidos em países da UE passaram a ter os mesmos direitos de livre circulação laboral de qualquer outro cidadão comunitário - sem "quotas" de nacionalidade ou o pagamento de qualquer verba quando um jogador chegava ao fim do contrato.

O "Caso Bosman" transformou o futebol europeu no primeiro momento, mas sua essência se espalhou pelo mundo. Três anos depois da decisão, no Brasil foi promulgada a Lei 9.615, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o "passe". Foi o fim do "trabalho escravo" no futebol brasileiro.

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Como consequencia da decisão, a FIFA estipulou as "cláusulas compensatórias" em casos de rescisão de contrato sem justa causa. Clubes passaram a fazer contratos mais longos para receber compensação econômica pela rescisão antecipada de contrato.

Além de garantir a economia dos clubes, contratos longos e multas davam mais estabilidade ao contrato de trabalho no futebol, preservando equilíbrio competitivo.

A decisão de Diarra coloca esse sistema em xeque.

E agora?

A decisão é importantíssima e esta fazendo com que a FIFA reveja suas regras. Muita gente me perguntou se essa decisão poderia ter o impacto da decisão do Caso Bosman. A resposta é, ainda não dá para ter certeza.

A imunidade da Fifa está sendo questionada e a governança da FIFA precisará refletir e agir. A decisão mexe com o sistema de transferência enraizado do futebol, afetando a transferência de atletas e diretamente o mecanismo de sanção da FIFA.

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A grande discussão agora é, que impacto isso pode trazer?

A decisão pode desencadear um efeito dominó, aumentando assédio de clubes sobre jogadores e determinando um maior número de rompimento contratual sem justa causa.

Isso afetaria a estabilidade contratual e a economia dos clubes, já que a decisão poderia resultar em taxas de transferência reduzidas e mais poder econômico para os jogadores.

E agora?

A FIFA precisa encontrar um caminho - assim como fez depois do Caso Bosman - para proteger a economia dos clubes em equilíbrio com direitos garantidos dos trabalhadores da bola.

Não dá para imaginar um time de grande porte tirando um jogador de um time menor que é destaque do campeonato para - no jogo seguinte - ele entrar em campo no mesmo campeonato!

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Como?

- Permitir registro em outro clube de atleta, desde que nas janelas de transferência e após término de campeonatos, preservando equilíbrio competitivo;

- Tribunais estatais devem continuar a permitir as cláusulas indenizatórias de transferência e a sua responsabilidade solidária sobre empregadoras desportivas contraentes, se houver rompimento contratual antes do termo final< mas talvez de forma mais mitigada, com valores menores que não impeçam a liberdade de circulação de trabalhadores e a livre concorrência no respectivo setor econômico.

Uma questão que precisa ser discutida é: todos os clubes podem ser afetados, mas os menores, precisam de uma atenção. Eles dependem de taxas de transferência para talentos que desenvolveram.

O futebol também precisará encontrar um caminho que seja viável para eles.

Agora, é esperar se a decisão firmará jurisprudência e entender o que a FIFA irá fazer para que essa decisão não venha a ter um efeito cascata.

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Só depois disso, se saberá se estamos mesmo diante de um novo Caso Bosman, que também mereceria um nome próprio, o "Caso Diarra".

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