Lei sobre abuso sexual reforça obrigação do esporte na proteção de menores
Pouco se falou sobre uma medida legal importante para a proteção de menores contra abuso sexual no esporte. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no final de novembro, a Lei 15.032/24, que estabelece diretrizes para prevenir e combater abusos sexuais contra crianças e adolescentes em ambientes esportivos e educacionais.
A Lei passa a valer em seis meses, mas reforça desde já um compromisso que as entidades esportivas precisam ter com a proteção dos direitos humanos dentro de um projeto de conformidade. Agora, para ter benefícios incentivados pelo poder público, passa a ser obrigatório um projeto efetivo de combate ao assédio e à violência contra menores, assim como outras obrigações de conformidade que a lei já estabelecia. Ou seja, é fundamental um projeto eficiente de compliance, tanto como uma questão moral quanto por exigência legal e como forma de captação de recursos.
A nova lei é uma espécie de "compliance estatal esportivo". O Estado cria uma regra de relacionamento com o esporte, reforçando caminhos legais já existentes que determinam a responsabilidade das entidades esportivas no cuidado com os menores.
A gente pode partir lembrando os artigos 5º, 6º, 7º, 217 e 227 da Constituição Federal. O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 4º e também tratados universais de proteção ao menor.
A medida mostra força do Estado na proteção do menor sem atacar a autonomia esportiva, já que coloca a regra como uma condicionante para uma relação Estado e Esporte.
A impunidade ainda é uma realidade revoltante no Brasil quando o assunto é crime sexual contra menores. A cada hora, 3 crianças são vítimas de abuso no país e apenas cerca de 10% dos casos são denunciados.
Esse é um problema que acontece em casa, nas ruas, nas escolas, e dentro das entidades esportivas. Por isso, a responsabilidade é de todos. Dois casos recentemente chocaram o mundo e tiveram consequências exemplares.
Os exemplos dos EUA e da Inglaterra
Em dezembro de 2021, após cinco anos de batalhas judiciais, as vítimas de abuso sexual do ex-médico da equipe feminina de ginástica dos Estados Unidos, Larry Nassar, chegaram a um acordo com a Federação Americana de Ginástica, os Comitês Olímpico e Paralímpico americano e suas seguradoras. As ginastas receberão ao todo cerca de US$ 380 milhões (R$ 2,1 bilhões).
Um pouco antes, em junho de 2021, na Inglaterra, uma investigação independente apontou falhas de clubes e da própria federação em um dos maiores escândalos de abuso contra menores da história do futebol inglês. Um relatório de mais de 700 páginas que mostrou a falta de mecanismos internos de controle e apresentou caminhos necessários a serem tomados pelas entidades esportivas na proteção de atletas.
Um na Inglaterra, outro nos Estados Unidos. Dois casos históricos que reforçam compromisso legal de clubes e federações na proteção de atletas e servem também de exemplos para caminhos necessários a serem tomados no Brasil.
E no esporte?
As entidades esportivas também precisam proteger os menores. Não só porque o esporte tem o compromisso legal de ajudar na formação das crianças, mas também porque vários crimes de abusos contra menores acontecem dentro das entidades esportivas. Temos casos na natação, na ginástica, no futebol, recentemente na canoagem e por aí vai.
A realidade é triste, e condenável: a maioria das entidades esportivas que trabalham com crianças e adolescentes no Brasil não tem um programa específico de atendimento e aconselhamento para atletas de base, que ajude na conscientização, denúncia e combate a crimes de assédio e violência sexual.
O discurso de que a responsabilidade de combater esse tipo de crime é do Estado me parece mais um dos exemplos da falta de responsabilidade social de alguns de nossos dirigentes. O esporte de formação pode até ser um negócio, mas ele não pode deixar de assumir compromissos necessários quando se lida com crianças e adolescentes. Nossa legislação deixa isso bem claro.
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Quero receberO próprio movimento esportivo sabe disso. Nas mudanças apresentadas pelo Código de Ética da FIFA em 2019, apareceu a inclusão do abuso e a exploração sexual como punições específicas dentro do artigo 23. A infração tem uma pena mínimo de dez anos, mesmo tempo de casos de pagamento de propina e desvio de verba. Além disso, a FIFA estabeleceu que a proteção das vítimas de assédio sexual deve ser reforçada.
Aqui no Brasil, a Lei Geral do Esporte de 2023 (14597/23) reforça o que a Lei Pelé (9615/98) já trazia no art. 99, a figura do Certificado de Clube Formador (CCF), cuja emissão fica a cargo da CBF no caso do futebol. Para a emissão, é necessário a comprovação de que o clube forneça e garanta programas gratuitos de treinamento nas categorias de base, mantenha atendimento médico, psicológico, fisioterapêutico e odontológico, além de um corpo de profissionais especializados em formação técnico-esportiva, além de ter ouvidoria com o escopo de receber denúncias de maus tratos e exploração sexual, entre outras obrigações.
Como novidade, como lembrou Carlos Ramos em coluna no Lei em Campo, certamente motivado pela tragédia do Ninho do Urubu, o legislador também passou a subordinar a possibilidade de manutenção de alojamentos em suas instalações à apresentação do certificado pelas agremiações. O CCF é requisito para que os clubes se habilitem para fins de recebimento do mecanismo de indenização por formação.
É preciso avançar!
Mesmo sabendo que a prevenção é sempre o melhor caminho, existem dispositivos legais para se punir esse tipo de crime. No Brasil, a Lei Joanna Maranhão, Código Penal e a própria Lei Geral do Esporte tratam disso.
Mas é preciso avançar. Existem outros projetos importantes no Congresso que precisam ser levados adiante. Eles tratam de questões fundamentais, como registro obrigatório de clubes e escolinhas em conselhos tutelares e exigência dos formadores de certidão negativa de antecedentes criminais daqueles profissionais que irão trabalhar com as crianças e adolescentes.
A nova alteração legal é mais uma irritação importante que reforca o compromisso do esporte com o menor, como os casos nos Estados Unidos e na Inglaterra. Essas irritações acontecem quando o esporte não consegue se proteger de maneira autônoma.
O bom é que essas irritações costumam provocar aprendizado e transformações
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