Justiça julga ação contra homem acusado de aliciar menores no futebol
A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, por unanimidade, que a esfera trabalhista tem competência para julgar uma ação contra um homem acusado de aliciar crianças e adolescentes com a promessa de carreira profissional no futebol. De acordo com a ação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que corre em segredo de justiça, os jovens eram submetidos a condições degradantes e de exploração sexual.
O colegiado entendeu que a proteção aos direitos desse grupo e a eliminação da exploração do trabalho infantil tornam a intervenção da Justiça do Trabalho indispensável.
A advogada trabalhista Bruna Ferreira explica que o entendimento da 2ª Turma do TST de reconhecer a competência da Justiça do Trabalho é juridicamente fundamentada no artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, que abrange litígios oriundos das relações de trabalho, mesmo que estas sejam informais ou pré-contratuais, como no caso desses jovens.
"A promessa de uma carreira no futebol, ainda que sem vínculo formal, criou uma expectativa de relação de trabalho, o que justifica a análise pela Justiça do Trabalho e merece atenção especial porque envolve direitos essenciais que garantem a dignidade desses jovens. Essa ampliação de competência reflete o compromisso com a proteção integral prevista no artigo 227 da Constituição, que prioriza os direitos da criança e do adolescente", afirma.
"As condições degradantes de higiene, alimentação e os abusos sexuais sofridos pelos jovens configuram a forma mais grave de trabalho infantil, conforme a Convenção 182 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Além disso, violam princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho. A atuação do MPT foi essencial, reafirmando a defesa de direitos fundamentais e a erradicação do trabalho infantil, como previsto na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente", acrescenta a especialista.
O advogado Maurício Corrêa da Veiga, especializado em direito do trabalho e colunista do Lei em Campo, destaca que o fato dos jovens serem levados com o consentimento dos pais e custearem suas despesas, não foi óbice para afastar a competência da Justiça do Trabalho.
"A 2° Turma do TST afirmou que o direito de jovens à profissionalização não é apenas uma garantia contratual, pois trata-se de um direito que é anterior à própria formalização do contrato. Trata-se de um precedente importante que afirma a competência constitucional da Justiça do Trabalho e protege o menor e o próprio desporto", analisa o especialista em direito trabalhista e entretenimento.
Segundo Bruna Ferreira, a decisão é um marco, pois reconhece que a Justiça do Trabalho deve atuar não apenas em vínculos formais, mas também em contextos que envolvam promessas de trabalho.
"O alinhamento ao Protocolo de Atuação com Perspectiva da Infância reforça a necessidade de proteção ampla e preventiva. O caso alerta para a urgência de políticas públicas e fiscalização efetiva contra práticas abusivas envolvendo crianças e adolescentes, reafirmando o papel da Justiça do Trabalho na construção de um ambiente laboral mais ético e justo", afirma a advogada.
Entenda o caso
O caso teve início com uma denúncia recebida pelo MPT de que um homem aliciava adolescentes de vários estados para Aracaju (SE), prometendo que se tornariam jogadores profissionais de um clube de futebol local. Enquanto aguardavam a promoção ao profissional, eles ficavam no apartamento deste homem e sofriam abusos sexuais, inclusive com uso de substâncias entorpecentes.
Durante a investigação, o MPT foi informado de que o homem havia sido condenado criminalmente por exploração sexual, tráfico interno de pessoas para fins de exploração sexual e estelionato. No processo criminal, as testemunhas (que também eram vítimas) relataram que o apartamento era pequeno, "sujo, cheio de baratas e lixo", que a alimentação era precária e que o lugar chegou a hospedar 15 jovens.
Ao pedir a condenação do homem também na esfera trabalhista, o MPT argumentou que a exploração sexual comercial de criança e adolescente é uma relação de trabalho ilícita e degradante que ofende não apenas os direitos individuais dos envolvidos, mas os interesses de toda a sociedade. "Constitui-se, portanto, em grave violação da dignidade da pessoa humana e do patrimônio ético moral da sociedade", destacou o órgão.
Em primeiro grau, a Justiça condenou o homem ao pagamento de indenização por dano moral coletivo de R$ 50 mil, a ser revertida ao Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região reformou a sentença. Segundo o TRT, o caso não tratava de relação de trabalho, porque os meninos eram trazidos para Aracaju com o consentimento dos pais, que custeavam as despesas. Por isso, concluiu que a competência para julgá-lo era da Justiça Comum e extinguiu o processo.
No recurso de revista, o MPT argumentou que o caso envolve menores de idade em condição irregular e, ainda, situação degradante e exploração sexual. Para o órgão, a competência da Justiça do Trabalho deveria ser reconhecida para tratar dessas questões, mesmo em fase pré-contratual.
No entendimento da relatora, ministra Liana Chaib, a simples promessa de uma carreira profissional, escamoteada para a suposta prática de diversas ilegalidades, transfere o julgamento para a Justiça do Trabalho. O fato de ainda não haver um vínculo formal de trabalho não afasta essa conclusão, porque o pretexto da cooptação foi a expectativa de uma carreira profissional de futebol.
A magistrada lembrou que a competência trabalhista também se estende a situações em que o jogador de futebol ainda não tenha assinado contrato formal, mas já esteja em fase de testes ou treinamentos, uma vez que a relação de trabalho, nesses casos, é potencial.
"Mesmo que o vínculo não tenha sido formalizado, a Justiça do Trabalho poderá analisar questões relativas a salários, condições de trabalho e direitos trabalhistas", considerou Chaib.
Por fim, a relatora ressaltou que, de acordo com o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva da Infância e da Adolescência da Justiça do Trabalho, o direito de adolescentes e jovens à profissionalização não passa apenas pela garantia contratual, mas se inicia muito antes dela. Nesse sentido, devem ser garantidos os direitos básicos que possibilitem o acesso ao mercado de trabalho, como políticas públicas que protejam as crianças do trabalho infantil e permitam a capacitação de adolescentes.
A decisão foi unânime, e o processo agora retornará ao TRT para que o julgamento tenha prosseguimento.
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1 comentário
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Olavo Kaltenbach
Segredo de justiça de novo ? Digam logo é ligado ao Cor.....