Discussão jurídica na Europa pode revolucionar o futebol também no Brasil
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A questão é muito séria e pouca gente tem se dado conta. Você já percebeu que o acesso a justiça é limitado dentro do esporte por conta das regras de resolução de conflito? A Europa esta discutindo e questionando essa força que o esporte tem. A discussão pode mudar radicalmente as coisas como elas são.
Afinal, uma associação privada tem colocado freios ao direito universal de acesso à justiça, no Brasil protegido pela Constituição Federal, no art 5º, inciso XXXV.
A Europa esta revendo a força desse poder do futebol de limitar radicalmente esse acesso a justiça, principalmente em função de violação a direitos humanos.
O poder da FIFA de estabelecer regras ou tomar decisões sem intervenção judicial está sendo questionado e será em breve reavaliado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).
Hoje, uma regra ou decisão da FIFA pode ser revisada por meio de uma arbitragem final perante o TAS (Tribunal Arbitral do Esporte), sediado na Suíça, com possibilidades limitadas de recurso junto ao tribunal suíço.
O que está em jogo é até que ponto o TJUE ou tribunais nacionais da UE podem anular uma decisão do TAS aplicando o direito da União Europeia, mesmo que a decisão do TAS seja considerada definitiva dentro do movimento jurídico privado do esporte.
Atualmente, a jurisprudência da UE em tais casos estabelece que apenas as leis fundamentais da União (como as relativas à concorrência ou à liberdade de trabalhadores) devem ser aplicadas. Houve uma série de casos desse tipo, incluindo os relacionados à fracassada Superliga Europeia e à multa de 10 milhões de euros imposta ao jogador Lassana Diarra, que muito comentei aqui.
Estou escrevendo um livro sobre histórias que mudaram o esporte a partir de provocações feitas por atletas. Pesquisando, me vem uma análise que pode ser importante para essa questão. Como a arbitragem esportiva seria forçada, ou seja, para participar de esporte, poder trabalhar, é indispensável aceitar os métodos de resolução de disputas da cadeia esportiva, os tribunais estatais estendem que a revisão de direitos fundamentais precisa ser mesmo obrigatória. O que faz sentido para mim.
No entanto, o Parecer emitido em 16 de janeiro de 2025 pela Advogada-Geral do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) adota uma posição diferente, defendendo que o direito da UE deve ser aplicado a todas e quaisquer violações do direito da União, sejam elas fundamentais ou não.
O que disse a advogada-geral
No início do ano, a advogada-geral do TJUE, Tamara ?apeta, defendeu que as decisões da Torte Arbitral do Esporte (TAS) - instância mais alta da Justiça Desportiva a nível mundial - poderão ser revistas por tribunais nacionais, ao contrário do que acontece hoje, inclusive se elas já tiverem sido revistas pelo Tribunal Federal da Suíça.
Ainda que o parecer não seja vinculante, ele deve influenciar nas decisões do Tribunal. Ou seja, o Tribunal pode passar a ser uma instância revisora das decisões desportivas, gerando uma necessidade de mudanças radicais no regulamento da FIFA
Ou seja esse debate deve gerar repercussão inclusive internacionais, gerando debates no Brasil sobre o alcance da revisão judicial em matérias desportivas. Sendo que o Brasil tem algumas peculiaridades, como a força constitucional da Justiça Desportiva, prevista no art 217 da CF.
O caso que desencadeou o debate
Como o Lei em Campo trouxe à época, a manifestação da magistrada foi feita ao comentar o caso de um clube belga em conflito com a FIFA. O Royal Football Club Seraing celebrou um contrato de transferência dos direitos econômicos de vários jogadores com um clube maltês, o Doyen Sports.
A Comissão Disciplinar da FIFA considerou que este acordo violava as regras da entidade que proíbem a propriedade por terceiros dos direitos econômicos dos jogadores. A Comissão impôs algumas medidas disciplinares ao clube belga, confirmadas pelo CAS e pelo Tribunal Federal Suíço.
Para conseguir uma declaração de que as regras da FIFA que proíbem a propriedade dos direitos econômicos dos jogadores por terceiros violam a legislação da União Europeia, o Doyen Sports ingressou com uma ação nos tribunais belgas. Esses tribunais recusaram jurisdição com o fundamento de que a lei belga confere força de caso julgado a certos tipos de sentenças arbitrais comerciais, incluindo sentenças do CAS.
Após interpor recurso, o Tribunal de Cassação belga questionou o Tribunal, em particular, se o direito da União se opõe à aplicação de tais disposições nacionais a uma sentença arbitral que foi verificada exclusivamente por um juiz de um Estado não pertencente à UE.
Tamara ?apeta considera que os operadores desportivos da União sujeitos ao sistema de resolução de litígios da FIFA devem poder ter acesso direto e controle judicial total, por um juiz nacional, de todas as regras do direito da União e, no entanto, uma "atribuição definitiva do CAS".
?apeta distingue a arbitragem desportiva da arbitragem comercial por duas razões. Primeiramente, ela esclarece que uma característica essencial da arbitragem comercial é a livre aceitação da cláusula compromissória por ambas as partes. Esta característica justifica a limitação do controle dos juízes nacionais, no contexto da arbitragem comercial, às questões de ordem pública.
No entanto, esta justificação não se aplicaria ao tipo de cláusula arbitral esportiva, que, segundo a Advocacia Geral da UE, seria obrigatória. Nesse sentido, defende que os operadores de direito devem reconhecer a competência do CAS, que ocorre, na grande maioria das vezes, como instância revisora das decisões submetidas à FIFA em primeira instância. Assim, as adjudicações concedidas ao abrigo deste sistema não poderiam, portanto, ser limitadas a questões de ordem pública, como ocorre com o Tribunal Federal Suíço, e devem estar sujeitas à revisão judicial completa.
E agora?
Agora o esporte aguarda. Hoje o sistema de resolução de litígios estabelecido pelo estatuto da FIFA, e pelo movimento olímpico, é caracterizado pelo seu caráter autossuficiente.
Ao contrário de uma arbitragem comercial, por exemplo, a FIFA pode executar de forma independente a sentença arbitral, proibindo jogadores, clubes ou associações de participarem nas suas competições.
Ou seja, a FIFA não precisa recorrer a um juiz. Um sistema privado que limita o direito de ação das pessoas e o poder de intervenção do Estado.
O que esta em jogo é se os Estados-Membros devem, portanto, permitir o acesso direto a um juiz com poderes para analisar judicialmente a compatibilidade das regras da FIFA com o direito da União Europeia, mesmo que uma sentença arbitral do TAS que aplica essas regras tenha sido confirmada pelo Tribunal Federal Suíço.
Isso já foi muito questionado em questões de direitos fundamentais, como direitos humanos e a ampla defesa. Os tribunais estatais têm entendido que sim, o que já praticamente pacífico. Mas agora se vai além, o estado pode revisar todas a decisões que violam direitos?
Se entenderem que sim, o esporte passará por uma revolução que fatalmente chegará no Brasil
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