Luís Rosa

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Reportagem

Como a frustração no Estádio Independência virou ato de solidariedade

Rodrigo de Carvalho, 51 anos, estava em Belo Horizonte a trabalho e quis dar uma arejada na mente, depois de um dia intenso de atividades. Escolheu ir ao estádio Independência, onde, no dia 25 de setembro, jogaram América-MG e Vasco da Gama, em partida atrasada da 15ª rodada do Campeonato Brasileiro.

O que era para ser uma noite divertida virou um tremendo dissabor. Porém, o destino reservou algo mais prazeroso com um gesto de solidariedade e finalizou, solitário e feliz, na mesa de um bar.

A saga de Rodrigo de Carvalho, um corintiano fanático, bom de conversa e colecionador e contador de histórias, é o retrato de como os clubes não conseguem tratar bem os seus torcedores e eventuais consumidores, como o personagem desta reportagem.

O paulista de Sertãozinho, que mora na capital paulista há três décadas, só queria sentar na arquibancada e desfrutar de uma partida de futebol, sem a tensão de torcer pelo seu clube de coração, com caráter de decisão, já que as duas equipes lutam contra o rebaixamento.

Com a menor média de público da Série A, o América-MG não consegue nem de longe encher metade da capacidade total do estádio, que é de 25 mil torcedores.

Para se ter uma ideia, segundo relatório divulgado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) no mês de agosto, com os números do primeiro turno, o América-MG ficou na última colocação em público e renda, respectivamente, 2.965 pagantes e R$ 116.695,00.

Cerca de uma hora antes do início da partida, Rodrigo chegou ao Independência. Parecia que seria fácil comprar ingresso. Não, não foi. Ao entrar na fila, ele logo percebeu algo muito errado. Alguns torcedores do América-MG estavam indo embora revoltadíssimos.

"Rapaz, então. Um torcedor gravou um vídeo esculhambando: ?é culpa dessa diretoria de m?", disse Rodrigo, que se levantou e imitou a cena do torcedor gravando o vídeo com o celular.

Quando estava próximo do guichê, Rodrigo entendeu o que estava acontecendo e também ficou indignado. Ele foi avisado por um orientador que informou que somente sócios do Coelho poderiam comprar ingressos. Ele insistiu, falou que era de São Paulo, que estava em um evento na cidade e só queria exercer o seu direito de consumidor.

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"Ele [orientador] disse que o pessoal do América-MG passou essa orientação [de que apenas os sócios poderiam comprar ingressos]", disse Rodrigo, que é gerente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), agência pública do Governo Federal, que financia projetos de inovação e pesquisa.

Inconformado, ele então questionou se não poderia comprar um bilhete para ficar no setor da torcida do Vasco. Sem chance. Foi informado que os ingressos reservados para a torcida visitante estavam esgotados.

"Cara, eu vi jogo pela tevê em um bar e tinha muitos espaços vazios. É um absurdo não venderem ingressos para pessoas que não são sócios ou, como no meu caso, cheguei sozinho e só queria conhecer um estádio que dizem é muito bacana", contou Rodrigo.

Então vamos a alguns números do borderô da partida. Foram vendidos 8.498 ingressos, desses 1.510 foram comprados pelos vascaínos. Ou seja, se a capacidade do Independência é de 25 mil, dava para Rodrigo e muito mais pessoas ficarem acomodados à vontade nos setores reservados para os donos da casa.

Rodrigo ficou tentado a comprar um ingresso oferecido por cambistas, mas o medo de ser um bilhete falso e o valor pedido o fez desistir da ideia.

Em um grupo de WhatsApp, ele fez um desabafo em vídeo e foi confortado por amigos diante da aventura frustrada na capital mineira. "Um deles disse que se eu tivesse avisado, ele teria me arrumado um ingresso, mas naquela hora, claro, não teria mais jeito".

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Gesto de solidariedade

Retornar ao hotel não estava nos seus planos. Rodrigo então gastou o seu dinheiro e exerceu o direito de consumidor gerando renda para o mercado informal e depois para o formal.

Primeiro, comprou uma cerveja de uma vendedora ambulante. Depois de ser atendido, percebeu que a mulher caminhava com dificuldade por causa de um inchaço em um dos pés.

Tocado com aquela cena, após consumir a cerveja, Rodrigo foi até uma farmácia e comprou uma pomada à base de arnica, que é indicada para amenizar a dor causada por inflamações, contusões, reumatismo, por exemplo.

"Ela ficou meio sem entender quando entreguei a pomada de arnica. Eu disse para ela passar a pomada, pois deixaria o pé anestesiado e eu sugeri que no dia seguinte ela procurasse um médico", afirmou Rodrigo, com sorriso largo de satisfação por ter transformado a frustração de não ver uma partida de futebol em um gesto de solidariedade.

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A poucas quadras do Independência, Rodrigo encontrou um bar convidativo e pôde, enfim, usar a tecnologia e acompanhar a partida.

"O jeito foi ver pela TV. E, claro, mostraram muitos lugares vazios no estádio. Paciência, quem sabe da próxima vez, eu consiga conhecer o Independência".

Sem o dinheiro de Rodrigo e o apoio de dezenas de torcedores, o América-MG perdeu do Vasco, por 1 a 0, e permaneceu na vice-lanterna do Brasileirão.

Outro lado

A assessoria de imprensa do América-MG informou à coluna que houve alguns problemas técnicos durante a semana, o que dificultou a venda de ingressos online.

Além disso, negou que houvesse qualquer orientação para que naquela noite a venda ocorresse somente para os sócios.

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A coluna apurou que existe um outro problema, o que limita que os não-sócios comprem ingressos para os setores que não dos visitantes.

Em jogos contra times grandes, principalmente os de fora de Minas Gerais, os torcedores visitantes costumavam se misturar aos do América-MG, o que gerou algumas confusões.

Por questão de segurança e para que os seus torcedores fiquem à vontade, o América-MG privilegia os seus associados.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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