Luís Rosa

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Opinião

É dever de todos desconstruir falas preconceituosas

Ao analisar a atuação do argentino Aníbal Moreno, na entrevista coletiva após a vitória sobre o Atlético-GO na última quinta-feira, o técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, disse que "isso aqui não é uma equipe de índios" e gerou um grande debate porque se tratou de uma frase xenofóbica.

Diante da gigantesca repercussão negativa, com a declaração oportuna da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que lamentou a declaração do treinador palmeirense, dizendo que ele "errou, e muito", Abel Ferreira fez o que se esperava e admitiu o erro, só que desta vez em uma nota em seu perfil em uma rede social.

"Reconheço que palavras têm poder e impacto, independentemente da intenção. Devemos todos questionar, pensar e melhorar todos os dias. Peço desculpa a todos e, em especial, as comunidades indígenas", escreveu o treinador.

Todos nós estamos sujeitos a comentários infelizes, que outrora eram descritos como "normais", mas atualmente são perigosos por ajudarem a perpetuar falas preconceituosas e racistas.

Eu mesmo cansei de falar "judiar", chamar qualquer nordestino de "baianinho", classificar como "denegrir" a imagem de alguém e até denominar negros como eu de "mulato".

Para entender o momento pelo qual vivemos, lembro que há dez anos, fui repreendido pela minha filha, então com cinco anos, por me referir a uma colega dela de classe como "aquela gordinha".

Neste mesmo dia da frase xenofóbica do técnico Abel Ferreira, ao ler a coluna do colega Juca Kfouri, aqui deste UOL Esporte, na análise da partida entre Vitória e Botafogo, disputada em Salvador, me chamou bastante atenção o uso de uma palavra, que vale também uma reflexão, por algo que nós negros temos sofrido bastante.

"Eduardo bateu nas alturas e ainda se machucou com lesão muscular.

Macumba? Ou certas coisas só acontecem mesmo com o Botafogo?"

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Mesmo sendo de uma família de afrodescendentes, por ser criado em meio a católicos e evangélicos, eu cresci ouvindo que "macumba" era coisa ruim, que as pessoas faziam para "prejudicar alguém" ou ter benefícios escusos com as oferendas colocadas em encruzilhadas.

Com o tempo e a busca pelas minhas origens como afrodescendente, com o estudo do que são as religiões de matriz africanas, eu entendi o que significa macumba e tantas outras histórias que nos envolvem enquanto negros.

Não estou dizendo que o colega colunista é racista ou preconceituoso, muito longe disso, mas ao sugerir a "macumba" como um possível elemento que determinou o erro do pênalti não foi a melhor escolha.

Isso porque é importante dizer que originalmente a macumba ficou conhecida por ser um instrumento de percussão de origem africana.

No caso das religiões de matriz africanas, a macumba ganhou um significado preconceituoso para as oferendas, as entidades religiosas e os praticantes são chamados pejorativamente de macumbeiros.

Certamente alguns vão dizer que é "mimimi", que estou querendo "lacrar", essa nova forma de desmerecer as lutas, como a contra o racismo, e na prática querem normalizar o politicamente incorreto.

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Então vamos a alguns dados.

As religiões de matriz africanas são as que mais sofreram ataques nos últimos anos no Brasil, aponta o II Relatório sobre Intolerância Religiosa, publicação organizada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e pelo Observatório das Liberdades Religiosas, em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Em 2020, foram 86 casos. Desde então, a situação só piorou: em 2021, esse número subiu para 244, um aumento de 270%. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, em 2022 foram 1.200 ataques a terreiros de candomblé ou umbanda, aumento de 45% em relação a 2020.

Tudo poderia ser mais fácil se no Brasil a educação fosse mais levada a sério.

No caso das religiões de matriz africanas, a Lei 10.639/03, de 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.

Porém, 20 anos após a promulgação, especialistas apontam que existem muitos problemas e é preciso fiscalização intensiva para que o ensino das religiões de matriz africana não fique apenas no discurso.

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Enfim, o que todos nós precisamos é ter mais atenção às palavras e entender que muitas delas passaram por um processo de ressignificação, ou seja, temos que aprender a respeitar as diferenças, e isso é o que vai nos ajudar a viver em paz e harmonia.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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