Caso Dudu: 'vocês da imprensa' estão prontos para uma conversa?
"Vocês da imprensa" estão prontos para uma conversa difícil?
Com alegria e esperança, aparentemente, abraçamos e acolhemos a luta antirracista - ampliando nosso repertório. Achamos espaço para falar de um assunto urgente e necessário - ainda que com anos de atraso.
Mas, como é sabido, a imprensa esportiva é ainda conservadora, machista, misógina e homofóbica (assim como o meio do futebol em que nos inserimos).
Não se trata de uma acusação. Mas de uma constatação necessária para que possamos evoluir.
Esse é um texto para propor uma reflexão, uma autoanálise, uma provocação.
A notícia da acusação da suposta agressão de Dudu contra a ex-mulher mais uma vez mostrou uma mistura de jornalistas constrangidos para tratar do tema (o tal "em briga de marido e mulher não se mete a colher") com comentários desrespeitosos e preconceituosos sobre a alegada vítima.
Normalmente há um acolhimento da vítima.
Normalmente há compaixão pelo ofendido.
Normalmente não se duvida de quem reporta um furto. Não se duvida, a princípio, de quem reporta um sequestro. Já sobre a violência contra a mulher...
Em casos recentes do racismo nos campos de futebol, houve uma reação quase em uníssono contra as absurdas ofensas criminosas que sofreram o brasileiro Tayson, por exemplo. A Fifa mudou seu protocolo no ano passado para punir o time cuja torcida cometa injúria racial. Ainda é pouco o que se faz oficialmente contra o racismo, mas há espaço de sobra nas mesas-redondas e nas manchetes de jornal para amplificar o tema e ajudar a corrigir o rumo.
Mas e sobre a violência contra a mulher?
Por que o tema é tão indigesto?
Eu não tenho opinião fechada, entendo e concordo que a imprensa seja cautelosa em lidar com a notícia da acusação contra o Dudu (não há nenhuma condenação!), sei que o jornalismo tem uma cicatriz viva do famoso caso da "Escola Base".
Mas, ao navegar pelas notícias sobre o caso de Dudu, ao somar a isso a propaganda postada ONTEM pelo Friends Bullkennel (um canil especializado em American Bully) com o ex-goleiro Bruno ladeado por dois cães (ISSO MESMO: GOLEIRO BRUNO + CANIL!!!) e o vaivém dos rumores da repatriação de Robinho, condenado (não apenas acusado, mas condenado pela Justiça) por estupro coletivo na Itália, é impossível não achar nos textos, nos discursos constrangidos pontuados de palavras de dúvida, "poréns" e cuidados para não ferir a honra dos jogadores, procuro identificar como retratamos as vítimas.
Eliza Samúdio foi assassinada, estava grávida, foi esquartejada, e até hoje há questionamentos sobre como era o relacionamento que ela topava ter com o ex-goleiro, do porquê ela foi ao tal sítio, de como ela pagava as suas contas...
Robinho foi condenado por estupro coletivo, mas, ah, "é um menino da Vila", as portas sempre estão abertas para ele...
E Dudu? Dudu merece todo respeito e espaço para se defender. O relato seco de ter ido o jogador à delegacia prestar esclarecimentos é correto.
Mas e a vítima? Alguma vítima de crime qualquer é tão questionada, esmiuçada, exposta e ridicularizada como uma mulher de jogador? A suposta vítima é ela e é só dela o ônus da prova da suposta agressão. O mundo duvida dela. O senso comum, ao acompanhar as notícias e os comentários dos torcedores, é que foi ela que agrediu Dudu. Ponto final. É ela que até aqui está com imagem arranhada. Fala-se e escreve-se sobre o comportamento dela, do cuidado que ela deveria ter com os filhos do casal... Sim, assuntos todos tratados em fim de bloco, rapidamente, antes de na sequência emendar qualquer outra conversa "mais importante" sobre o outro patamar do Flamengo, as dívidas do Corinthians, o treino virtual do Atlético Goianiense e a supimpa rodada do Carioca.
Assunto duro, fato.
Assunto pior é o nosso constrangimento.
Como "vocês da imprensa" lidam com esse incômodo?
Temos muito sobre o que pensar.
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