Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Um brinde a todos os homens que choram em público
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Para fazer justiça ao monótono empate entre Corinthians e São Bento pela quinta rodada do Paulistão preciso registrar o único momento emocionante da partida (para além do bonito gol de Gabriel abrindo o placar para o São Bento). Na saída para o intervalo, Gabriel foi abordado por Edgar Alencar, o excelente repórter do SporTv, que queria saber mais sobre o golaço que ele marcou. Diante daquele painel com o nome dos patrocinadores, mais uma dessas ações importadas dos gringos para padronizar e tentar controlar as coisas que acontecem num campo, Gabriel driblou o media-training e nos presenteou com uma história pessoal.
Quando era garoto, o pai e ele sonhavam com a carreira que Gabriel poderia ter no futebol e ele lembrou do dia em que o pai disse a ele: filho, imagina você enfrentando o Corinthians e fazendo um gol! Aquele foi o dia em que o sonho se realizou, mas o pai de Gabriel - cujo nome agora me escapa, mas que Edgar teve a gentileza de perguntar ao vivo - não estava ali para ver porque já tinha falecido.
Ao contar a história, Gabriel chorou e, com ele, eu chorei. São raros hoje os momentos em que um jogador foge do roteiro e se conecta com a gente naquilo que a gente tem de mais comum: nossas histórias de perda, de dor, de sofrimento. Alguns mais, outros menos, claro. Alguns por injustiças sociais, tantos pela delinquência de uma estrutura de poder preconceituosa, racista, machista, misógina e Lgbtfóbica, mas todos - absolutamente todos - sabem o que é a dor de perder uma pessoa que se ama.
Meu amigo Luiz Carlos Junior, que narrava a partida, disse, tentando explicar o pranto de Gabriel, que todos nós estamos emocionalmente fragilizados - sugerindo que as coisas que estão ocorrendo no Brasil estão deixando todos e todas nós à flor da pele. Vou, respeitosamente, discordar de Luiz. Se emocionar em público não é sinal de fragilidade; é sinal de coragem. Homens que fazem isso precisam ser ainda mais corajosos porque o choro está relacionado à fraqueza. "Homens não choram", repetem ao menino que se machuca. E assim formamos uma sociedade de sujeitos homens aprisionados em seus sentimentos, que eles muitas vezes nem sabem nomear.
Mas é verdade que estejamos fragilizados. Uma pandemia, somada a um governo de extermínio, fazem isso com a gente. Só que o pranto de Gabriel foi um pranto de amor, de sonho realizado, de conquista. Foi um pranto de coragem, de se deixar levar pela saudade, de saber que aquela seria a noite em que ele e o pai celebrariam juntos a realização de um sonho que um dia deve ter parecido impossível. Quantos pais e filhos, pais e filhas, mães e filhos não estão justamente agora fazendo planos impossíveis que talvez um dia se concretizem? Sonhos que sonhamos sozinhos mudam a gente, mas aqueles que sonhamos juntos mudam mundos.
Mesmo diante de tanto horror existe a chance de celebrarmos pequenas-grandes vitórias. Eu me emocionei por Gabriel e, naquele instante, voltei a sonhar com um futebol menos padronizado, menos mídia-treinado, menos transformado em mercadoria, menos conservador nos costumes, menos petrificado de emoções. Por me cutucar com a capacidade de voltar a sonhar eu digo: obrigada, Gabriel. Veja aqui a entrevista de Gabriel ao repórter Edgar Alencar.
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