Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Giba, Chu, esporte, conquistas e julgamentos morais
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Tem um grito de rua em manifestação que diz o seguinte: "As bi, as gay, as trava e as sapatão: tá tudo organizada pra fazer revolução". É um dos gritos que mais me faz pular. Ele fala sobre mim, claro, mas também sobre você - mesmo que você não seja nem bi, nem gay, nem trava e nem, como eu, sapatão.
Se a gente pensar que revolução é um evento desses que pode até ser televisionado, então não teremos entendido o que estamos vivendo. Para quem pensa assim, escutar declarações LGBTfóbicas como as recentemente cometidas pelo ex-atleta Giba e pela atleta Chu, serão derrotas.
Eu não penso assim.
Pra mim a revolução é um processo. E um processo lento, muitas vezes cheio de dor, de sofrimento, de lágrimas e de derrotas. E, em outras tantas, de festa, de alegria, de abraços e de vitórias. Sob essa ótica, Giba e Chu são canais de divulgação de ideias velhas, caretas, covardes e repressoras, que eles mesmos sabem que estão morrendo - e até por isso se sentem à vontade para estrebuchar tanto preconceito.
Os movimentos negros e LGBTQs acumulam conquistas ao longo dos anos, e se a roda da emancipação dá umas travadas aqui e ali a verdade é que ela não para de girar para frente.
Giba e Chu, com suas declarações cheias de rancor, tentam dizer que estamos no caminho errado.
Para a atleta palmeirense, Paulo Gustavo não foi para o céu porque era um homem gay e umbandista. Se for esse o caso, talvez queiramos ir todos para onde quer que o ator e humorista tenha ido. Nas palavras de Mark Twain: quero o céu pelo clima e o inferno pelas companhias.
Em respeito ao futebol feminino, que oferece a Chu uma carreira, a atleta deveria se desculpar não apenas em palavras, mas em ações.
O futebol feminino só existe porque mulheres lésbicas ousaram lutar por ele. Lutar, primeiro, para que ele fosse legalizado (ele já foi proibido por lei no Brasil), e depois para que fosse legitimado. Não fossem as sapatão não haveria o futebol feminino como ele existe hoje - e Chu, provavelmente, não teria essa carreira. Então, além de preconceituosa a declaração dela é desleal ao esporte que ela pratica.
Ao contrário das religiões cristãs, a Umbanda não vê o mundo pela chave do pecado e dos pecadores e para uma umbandista fica difícil entender essa visão dicotômica de céu e inferno. A Umbanda está mais preocupada com a vida antes da morte do que com a vida depois da morte, e eu me identifico com essa filosofia de vida. Fui educada no catolicismo, que nunca pratiquei, mas tenho buscando conhecimento a respeito de outras religiões e filosofias.
Todo preconceito é filho da ignorância, e estamos sendo convidados e convidadas a aprender para, assim, nos despir dessa pele de ódio e de julgamentos morais. Todos os dias recebemos esse convite.
A encruzilhada, ensina o professor Silvio Almeida, é boa. É através dela que nos investimos de potência para escolher caminhos, para construir futuros.
O cineasta Vittório De Sica dizia uma coisa mais ou menos assim: todo julgamento moral é 2% julgamento, 48% moral e 50% inveja.
O que nos leva a Giba e a Eduardo Bolsonaro.
A entrevista em que o ex-atleta do vôlei e atual dirigente esportivo corta a bola levantada pelo filho do presidente é uma aula de LGBTfobia. Os dois - homens brancos profundamente incomodados com nossas vitórias revolucionárias em nome de um mundo justo e livre - passam alguns minutos falando asneiras, equívocos e intolerâncias.
Mais do que os erros que cometem em seus julgamentos (que carregam confissões), é bom testemunhar o medo e o rancor na forma como cometeram as palavras na ocasião do encontro.
Uma atleta trans é uma atleta. Uma pessoa trans é aquela que se identifica com o gênero oposto. Para cruzar a ponte para o lado de lá qualquer pessoa trans precisa enfrentar universos de transformações - internas e externas - que passam por verbalizar o que sentem, ajustar hormônios ao gênero pelo qual se reconhecem e, muitas vezes, encarar cirurgias. É uma via sacra que exige, acima de tudo, coragem.
É de fato preciso muita coragem para encarar de peito aberto uma sociedade que todos os dias diz que não podemos ser quem somos.
O ódio que alguns manifestam é justamente contra essa coragem. A base de suas vidas é, aliás, a covardia. Uma covardia tão escancarada que nos faz ser o país que mais consome pornografia LGBTQ no mundo e, ao mesmo tempo, o que mais mata a população LGBTQ.
A crise é de desejo, essa é a verdade. E bastaria coragem para que, reconhecidos e ajustados os desejos, conseguíssemos fazer o que pediu Jesus: amar uns aos outros. Ama o próximo como a si mesmo ou, como prefere o mitólogo Joseph Campbell: ama o próximo porque é tu mesmo.
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