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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem ganha com a realização da Copa América no Brasil?

Rogério Caboclo, presidente da CBF, assina contrato de patrocínio com a Neoenergia - Reprodução/CBF
Rogério Caboclo, presidente da CBF, assina contrato de patrocínio com a Neoenergia Imagem: Reprodução/CBF

Colunista do UOL

04/06/2021 13h29

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O título desse texto faz uma pergunta que parece óbvia, mas que precisa começar a ser respondida pelo seu contrário: quem não ganha. Não ganhamos nem você, nem eu, nem nossas famílias. Não ganha a luta contra a pandemia, não ganha o sistema público de saúde que está saturado, esgotado e nessa batalha há mais de um ano. Não ganham tampouco os profissionais que atuam na linha de frente e estão extenuados. Não ganham os clubes, os jogadores e nem mesmo os torcedores porque o que deveria ter cara de festa não vai ter. Primeiro porque os jogos serão sem público (por motivos óbvios) e depois porque quando as inevitáveis aglomerações em bares e nas casas de amigos acontecerem, muitos dos que escolheram se aglomerar adoecerão e, nessa música insana do contágio free-style proposto pelo governo desde o dia 1, acabarão passando o vírus para familiares ao voltarem para suas casas.

Então, quem ganha? Ganha o empresário que trabalha na indústria funerária, claro. Mas quem mais? Os fabricantes dos remédios alardeados pelo mandatário como a-cura-secreta-da-covid-que-o-mundo-inteiro-se-recusou-a-ver, certamente também ganharão. Mas, principalmente, ganham aqueles envolvidos nas negociações da Copa, essa gente bem vestida que lucra com contratos de patrocínio, de imagem, de transmissão e que, sem que a Copa aconteça, vão perder milhões, o que seria certamente uma tragédia para eles. Vejam: perdendo essa grana com a qual já contavam, deixarão de comprar uma nova casa de veraneio, uma terceira fazenda, um quarto carro, um novo iate. Quantas são essas pessoas? Uma dúzia talvez? Duas dúzias? Pouco mais do que isso?

Quem talvez ainda possa ganhar alguma coisa? Os agentes que estão trabalhando politicamente nos bastidores para que a Copa se realize no Brasil, certo? No conhecido esquema de "comissionamentos", evidentemente.

Ainda pode haver alguém que tente argumentar que a Copa América promoverá a geração de empregos para uma série de trabalhos diretos e indiretos, e nessa hora a gente precisa se perguntar: a que custo? Gerar trabalhos sem um planejamento sanitário pré-estabelecido no meio de uma pandemia dentro do país que pior tem lidado com ela sob muitos e variados aspectos é argumento moralmente aceitável? A resposta é sim para aqueles que acreditam na dicotomia "a economia ou a vida" ou para aqueles que não precisarão expor seus corpos a riscos desnecessários porque ou já estão vacinados ou podem ficar em casa. Quem está preocupado em encontrar uma maneira de o trabalhador de baixa renda ter o que comer durante esse período deveria estar lutando por auxílio emergencial decente.

Se houvesse, portanto, qualquer lógica humanitária na tomada de decisão sobre a realização da Copa America ela resultaria no cancelamento do torneio. Mas a lógica usada para tudo e por aqueles que nos dominam é a do Capital. É o lucro que decide quem vem e quem vai, quem respira e quem sufoca, quem vive e quem morre. Por uma lógica moralmente aceitável, alguns dados importantes seriam levados em consideração, como por exemplo o fato de termos até aqui, dia 4 de junho, menos de 11% da população imunizada (tendo tomado as duas doses da vacina). Além disso, os quatro estados escolhidos para sediar os jogos (Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso e DF) têm índices de mortos por 100 mil habitantes superiores à média nacional de acordo com o Monitora Covid da FioCruz. Precisamos nos perguntar qual é a lógica dessas escolhas.

Nossa única chance é, ao que parece, essa especulada rebelião dos jogadores da seleção brasileira e das demais seleções - ainda que pelos motivos menos nobres porque consciência política não nasce da noite para o dia e, se até ontem, a vasta maioria dos nossos craques não possuía uma, não é numa sexta-feira ensolarada que eles, magicamente, a adquiriram. Mas, seja lá o que estiver mobilizando nossos jogadores a se negarem a jogar, que possam seguir fortes nessa batalha.